República
Outras vezes é só isto de entrar num café com uma nota em riste, pedir troco para a máquina de tabaco e receber cinco moedas, um sorriso e nenhum:
– Ai, meu Deus...
Nem lamuriento, nem amargo, nem sequer inexpressivo.
Ainda há pouco, ao passar pelo Retiro dos Cantadores e Tocadores, no lugar a que chamam Vinha Brava. Nunca tinha lá entrado e não sei quando voltarei. Mas vinha cheio de vontade de um cigarro e encostei o carro.
A dona areava tabuleiros, com os seus Crocks de contrafacção. Um velho à espera de parceiros para o dominó chamou-a pelo nome:
– Tens um cliente.
Ela levantou os olhos, sorriu-me. Gritou lá para o fundo:
– Ó João Vítor!
Fez novo sorriso, cúmplice. “Diabo dos homens, que quando são precisos enfiam-se sempre não sei onde”, dizia o sorriso dela. Retribuí. “A sobrevivência tem os seus expedientes”, dizia o meu.
Secou as mãos e veio até ao balcão. Estiquei-lhe uma nota de vinte e pedi câmbio. Fez um ar despachado, deu-me notas e moedas e voltou a sorrir.
Nos Açores nunca faltam trocos. É toda a gente pobre – as moedas são a própria linguagem. Nas ruas da cidade, passam de mão em mão os bilhetes de estacionamento a que restem alguns minutos. Os rapazes das multas vêem-nos chegar imediatamente após carregarem no “Enter” e desfazem-se em desculpas. E em mais desculpas. E em mais desculpas ainda.
As multas são de três euros. Às vezes de dois.
Naturalmente, a ética republicana também tem o seu lado negro. Experimentem dar uma instrução a uma empregada doméstica. Ou manifestar entusiasmo com o trabalho num jantar de amigos. Ou faltar ao jantar.
Mas tudo tem a sua aprendizagem. E, como ponto de partida, isto chega-me: pedir troco para o tabaco e não fazer ninguém chorar.
Diário de Notícias, Dezembro 2014


