República

25.12.14.jpegOutras vezes é só isto de entrar num café com uma nota em riste, pedir troco para a máquina de tabaco e receber cinco moedas, um sorriso e nenhum:


– Ai, meu Deus...


Nem lamuriento, nem amargo, nem sequer inexpressivo.


Ainda há pouco, ao passar pelo Retiro dos Cantadores e Tocadores, no lugar a que chamam Vinha Brava. Nunca tinha lá entrado e não sei quando voltarei. Mas vinha cheio de vontade de um cigarro e encostei o carro.


A dona areava tabuleiros, com os seus Crocks de contrafacção. Um velho à espera de parceiros para o dominó chamou-a pelo nome:


– Tens um cliente.


Ela levantou os olhos, sorriu-me. Gritou lá para o fundo:


– Ó João Vítor!


Fez novo sorriso, cúmplice. “Diabo dos homens, que quando são precisos enfiam-se sempre não sei onde”, dizia o sorriso dela. Retribuí. “A sobrevivência tem os seus expedientes”, dizia o meu.


Secou as mãos e veio até ao balcão. Estiquei-lhe uma nota de vinte e pedi câmbio. Fez um ar despachado, deu-me notas e moedas e voltou a sorrir.


Nos Açores nunca faltam trocos. É toda a gente pobre – as moedas são a própria linguagem. Nas ruas da cidade, passam de mão em mão os bilhetes de estacionamento a que restem alguns minutos. Os rapazes das multas vêem-nos chegar imediatamente após carregarem no “Enter” e desfazem-se em desculpas. E em mais desculpas. E em mais desculpas ainda.


As multas são de três euros. Às vezes de dois.


Naturalmente, a ética republicana também tem o seu lado negro. Experimentem dar uma instrução a uma empregada doméstica. Ou manifestar entusiasmo com o trabalho num jantar de amigos. Ou faltar ao jantar.


Mas tudo tem a sua aprendizagem. E, como ponto de partida, isto chega-me: pedir troco para o tabaco e não fazer ninguém chorar.


Diário de Notícias, Dezembro 2014

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Published on December 25, 2014 11:57
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