O desafio do balde de gelo e a chatice dos eternos reclamões
A essa altura do campeonato, eu nem preciso explicar o que é o desafio do balde de gelo. Caso você more em algum interior fodido do Tocantins e não tenha internet, primeiro me explica como você tá lendo esse site porque isso é surpreendente. Web por telepatia?
É o seguinte: o desafio do balde de gelo consiste em virar um balde de gelo (duh) na própria cabeça, e em seguida desafiar outros 3 amigos/inimigos a fazer o mesmo. Os indivíduos, se recusarem o desafio — o que é cientificamente conhecido como PEIDAR NA FAROFA –, devem então doar para a ALS Association, uma fundação que combate esclerose lateral amiotrófica. É uma doença desgraçada, sem cura, e que até recentemente não recebia muita atenção da mídia por ser considerada uma doença rara. Uma das “vítimas” mais célebres da doença é o físico inglês Stephen Hawking, que embora esteja todo contorcido numa cadeira de rodas só conseguindo mover os dedos, é mais inteligente e importante para o compreendimento humano do cosmos do que eu, você, e todas as pessoas que nós conhecemos.
Então. O impacto do desafio foi imenso.
Inúmeros famosos se comprometeram com a causa; são tantos, aliás, que a essa altura seria mais fácil enumerar os que NÃO entraram na onda. Muitos já fizeram o desafio: entre eles, Chris Pratt, Seth Green, Macklemore, Ben Afleck, Charlie Sheen, Vin Diesel, Neymar… é tanta água sendo jogada no chão nesse desafio que já já vão ter que criar outra campanha de doações lembrando que existem inúmeros locais no planeta sem água potável disponível.
Inevitavelmente, começaram a surgir os chatos de plantão. Você conhece a raça. Os “contraditórios”, os “do contra”. A galera que vê algo, SEJA LÁ O QUE FOR, e pensa imeditamente “pera, eu preciso achar um ângulo pra criticar aqui, porque de forma contrária como poderei expor meu intelecto superior e meu afiadíssimo senso crítico?”
E começaram os posts reclamando do desafio do balde de gelo. Alguns dizem que as pessoas estão fazendo “só pra aparecer”. Outros, aparentemente fiscais não-oficiais da ALS Association, criticam que “tem muita gente fazendo o desafio e não falando que é pra ALS, estou de olho nisso aí, nada escapa da minha astúcia”. Imagino-os com uma prancheta anotando nos nomes dos infratores enquanto balançam a cabeça negativamente.

“ai gente odeio quando as pessoas não seguem minhas estipulações arbitrárias enquanto promovem uma boa causa”
Hoje tive o imenso desprazer (comparável àqueles arrotos em que o vômito sobe até a garganta, sabe coé?) de ler este texto. O veneno do autor é tão peçonhento você imaginaria que o Desafio do Balde de Gelo consiste na verdade em ir até a casa do sujeito e cagar na sua cama, depois recolocar o cobertor e pisar em cima. Se você montasse uma cartela de bingo de críticas sem substância, você ganharia em poucos parágrafos.
Todas as críticas rolamole estão lá. Sim, estou cunhando o termo “rolamole”. Todos os greatest hits de crítica débil estão lá:
“Mimimi quem faz o desafio, faz pra aparecer!”
“Mimimi existem outras doenças piores!”
“Mimimi tem outras formas melhores de combater o ALS!”
“Mimimi estão fazendo vídeos mas não estão realmente doando para a instituição”!
Sabe a piadinha sobre desperdiçar água que eu fiz lá em cima…? Esse cara fez esse argumento NA SERIEDADE, olhando bem fundo no seu olho. “A água, gente! Estão jogando água no chão!!!!”
Sim, um sujeito que diariamente caga dentro de uma bacia contendo água encanda limpa criticando o “desperdício” de água do Desafio do Balde D’água. Espero o senhor autor do texto nos explicando como, em seu engajamento com a causa da escassez de água potável, abriu mão de usar a privada e agora passou a cagar dentro de um balde que ele então limpará com folhas de jornal e orvalho.
De acordo com a ALS Association, em menos de um mês da onda do Desafio do Balde de Gelo, foram arrecadados quase 23 milhões de dólares. No mesmo período, no ano passado, foram arrecadados menos de 2 milhões. Esses 23 milhões de dólares vieram de quase meio milhão de novos doadores, boa parte dos quais provavelmente nunca sequer teria ouvido falar da doença (que dirá então contribuir) se não fosse o Desafio do Balde de Gelo.
Apesar disso, o autor do tal texto que eu linkei (já me arrependo a dar cliques a ele) fala a seguinte tremenda canalhice:
“entre essa obsessão pela autopromoção camuflada de solidariedade e não fazer absolutamente nada, prefiro a honestidade da imobilidade”
É isso mesmo. Entre a doença receber atenção e uma contribuição financeira inédita que poderá um dia levar a cura, e as vítimas da parada continuarem sofrendo com a doença, o sujeito prefere a segunda opção — porque é “honesta”.
É uma questão de princípio pro autor, imagino. Um comprometimento irredutível com a babaquice.
Não há na internet escassidade de ativismo vazio. Volte sua birra e métrica arbitrária de medição de engajamento pra esses, ao menos, e deixe aquelas que geram resultados em paz.

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