Não, tu não fizeste o 25 de Abril. Respeita-o.
A julgar pela comunicação social, pelas entrevistas e pelo marketing da programação cultural, há cinquenta escritores, dois mil músicos, duzentos jornalistas, trinta cineastas e, no total, para cima de dois milhões de portugueses que fizeram o 25 de Abril com as suas próprias mãos. Bate certo: elegeram a Revolução dos Cravos como a data mais importante da História de Portugal e, portanto, estavam a falar de si próprios. Chega a causar-me vómitos. Parte do respeito que devemos aos grandes marcos da nossa luta pela liberdade, o supremo bem da organização social, está na disponibilidade para homenagearmos aqueles que verdadeiramente arriscaram a pele para os consumar. Andar por aí a bater no peito e a gritar "Eu também fiz o 25 de Abril", "Eu saí à rua no 25 de Abril e as minhas palmas foram fundamentais", "Eu tinha vinte anos quando foi o 25 de Abril e, portanto, fui eu que reconstruí este país sobre os escombros da velha senhora" – andar por aí a bater no peito e a gritá-lo é a melhor maneira de reduzir o 25 de Abril a nada. E muito me agradaria dizer que o frenesi em curso é subsidiário deste novo mundo dos reality shows, do voto online e das caixas de comentários dos jornais, em que todos podemos até certo ponto ser pelo menos co-protagonistas de tudo o que nos apatecer. O narcisismo lusitano é mais antigo do que isso e nem sequer se limita à classe média. Provavelmente, explica imensas datas, mas nenhuma daquelas que mais gostaria de explicar.


