[ Artigo Clássico ] Como eu recuperei, e imediatamente perdi, um importante símbolo da minha infância

(Este texto foi originalmente postado em maio de 2010)


Você alguma vez se chateou imensamente por algo completamente banal e inconsequente? Tou me referindo àquela bobagem totalmente inofensiva, e que você pode reverter com pouco ou às vezes nenhum esforço, que não deixa qualquer sequelas permanentes.


Hoje isso aconteceu comigo.


No meio dos anos 80, a Coca-Cola lançou uma promoção em que você levava algumas tampinhas de garrafa e uma quantia desprezível de dinheiro aos “postos de troca” e obtinha iô-iôs iguais a estes aí:


ioantigo


Eu nasci em 1984, então obviamente os únicos iô-iôs dessa série aí que eu tive contato foram as relíquias que meus tios deixaram pra trás nos seus antigos quartos na casa da minha avó.


Felizmente nos meus queridos anos 90 a promoção dos iô-iôs (“iô-iô” é uma palavra incrivelmente chata de digitar, tenta aí procê ver) voltou, com uma remodelação dos brinquedos:


yoyo


Foto do Roberto Tumminelli


Eu sempre tive a teoria de que a promoção dos iô-iôs (sério, não aguento mais digitar essa palavra. Tu tentou aí?) era o resultado de algum tipo de ordem judicial com o objetivo de responsabilizar a coca-cola pelos bilhões de tampinhas de garrafa que se acumulavam nas sarjetas do nosso Brasil. Nos meses seguintes ao início da campanha, não se achava mais UMA SÓ tampinha no chão em todo o solo nacional.


Então, assim como muitos de vocês, fucei todas as esquinas num raio de dez quilômetros da minha casa (não se consumia muito refrigerante lá em casa, aí tive que dar uma de indigente catador de latinha mesmo), economizei duas ou três idas à cantina da escola, e adquiri meu próprio ioio. Sim, “ioio”. Cansei mesmo de digitar corretamente.


Bons tempos. Avance a fita pra uns 20 anos mais tarde.


Em uma de minhas sessões nostálgicas, percebi num estalo que havia quase duas décadas que eu não amarrava um ioio no dedo médio da mão direita e me divertia em fazer o briquedinho desafiar a lei da gravidade.


Comentei com a muié e esta, se compadecendo da minha ânsia de reproduzir uma fase icônica da minha infância, saiu comigo à caça de um ioio. Fomos ao Walmart e achei isso aqui:


ioio


Se houvesse na prateleira do lado uma máquina que transformasse peidos em barras de ouro, pelo menos preço do ioio, e eu tivesse 2 dólares no bolso, eu teria comprado dois ioios.


Peguei o troço no ímpeto e corri pro caixa. Já no caminho pra casa, destruí a embalagem, fixei o bichim no dedo e me deleitei falhando desgraçadamente em todas as tentativas de reproduzir os truquezinhos rudimentares que eu saiba fazer quando criança.


O barbante apertava o dedo cortando a circulação e eu não tava nem aí. A cada rodopio, um grama daquela clássica habilidade infantil perdida voltava; pouco a pouco meus músculos lembravam exatamente a sequência de movimentos sutis que faziam o ioio parar a centímetros do chão e rodopiar em seu eixo sem subir de volta.


E tudo estava perfeito com o mundo.


Hoje fui jogar Magic com meus broders, como fazemos várias vezes por semana – tou vivendo um período de vício doentio no jogo.


lol


A casa do meu chegado (que não aparece nessa foto) fica próxima ao McDonalds da região, então virou tradição se empanturrar de comida porcaria após jogar com as cartinhas. Fomos à lanchonete, e eu rodopiando o ioio com alegria e explicando pros amigos a história da promoção da coca-cola, a caça das tampinhas, etcétera.


Após o lanche meu irmão recebe uma ligação do meu pai – ele estava nas redondezas, e nos ofereceu uma carona de volta pro nosso apê.


E lá estava eu, ocupando o assento da frente (que é meu direito inalienável de filho primogênito) e, enquanto meu irmão e irmã tagarelavam no banco traseiro, notei que havia algo de errado. Bati nos bolsos e detectei que havia um ioio a menos do que esperado.


Houve um misto de tristeza com desespero. Comecei a apalpar todos os bolsos da bermuda, do suéter, os compartimentos da mochila. Nada. O ioio havia sumido, certamente deixado pra trás na mesa do McDonalds.


Senti como se meu próprio espírito tivesse levado um chute na cara. Como uma legítima criança de 11 anos, eu havia esquecido meu brinquedo na porra de um restaurante!


A tristeza foi irresistível. Sem muita esperança, continuei tateando os bolsos, revirando a mochila, tendo a plena certeza que o brinquedo havia sido perdido, mas incapaz de parar de procurar.


“Não há motivo pra chateação”, tentei negociar comigo mesmo. “Amanhã você vai no Walmart e compra outro, aliás, foda-se, compra logo DEZ duma vez se quiser”. Afinal, a porra do ioio custa um mísero dólar. Não é um imenso prejuízo.


Mas algo ainda continuava me chateando, e eu não sabia por que. E finalmente entendi a tristeza.


A minha infância, assim como aquele ioio, foi perdida — deixada pra trás há mais de duas décadas. E embora há muito tempo eu tento revive-la (aquele post dos abandonwares é um exemplo recente desse hábito, assim como a própria compra do ioio), volta e meia eu sou relembrado que o que passou passou e jamais voltará de novo. Assim como o ioio que eu deixei no McDonalds, minha idade áurea já era.


Mas lá vou eu tentar comprar outro pra mitigar a perda. Perder o ioio que me trouxe tanta alegria e planejar substitui-lo foi um triste paralelo da minha condição de estar eternamente tentando reviver minha infância esquecida.


:(


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Published on April 14, 2014 08:35
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Izzy Nobre
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