A homenagem em que eu não tenho empreendido como devia
No Dia Internacional da Mulher, as mulheres da minha vida juntaram-se para me fazer uma festa a pretexto dos quarenta anos. A Catarina tirou horas infinitas à tradução, pelas quais pagará com o corpo nas próxima semanas, e mergulhou nas suas artes do requinte e do bem receber. A minha mãe deu um pontapé no mundo, cozinhou pratos e sobremesas e amassou dez quilos de farinha para cozer pão ao vivo.
Tivemos azar com o dia: pretendíamos fazer um piquenique no Monte Brasil, mas apanhámos a pior meteorologia em mais de duas semanas – um misto de frio, vento, chuva e granizo que talvez até represente a despedida do Inverno, mas nesse caso será uma despedida em grande. Safou-nos o salão da quinta da Junta de Freguesia, por detrás do qual também fazemos caminhadas regulares. E foi encantador.
Não posso dizer que não me tenha faltado ninguém. Faltou-me a família de Lisboa e faltaram-me os amigos de lá também – os que conservo há vinte anos, os que fiz nos últimos quatro ou cinco, com os quais ganhei intimidade depressa, e mesmo aqueles que negligenciei injustamente durante muito tempo e que, entretanto, me preocupei em integrar. Mas estava com a minha família e estava com a maior parte dos amigos de cá, cada vez mais e cada vez melhores.
E estava com as mulheres da minha vida. A Catarina, que voltou comigo. E a minha mãe, que plantou em mim a semente do amor à terra.
Nem sempre lhe tenho prestado a devida homenagem. Somos demasiado parecidos, conhecemo-nos demasiado bem e também estamos demasiadas vezes interessados em sermos os primeiros a desmascararmo-nos mutuamente. Tudo isso já é imenso e inigualável. Mas, depois, ainda há o essencial.
Penso que, se alguma coisa verdadeiramente me distingue dos outros tipos da minha geração, essa classe heterogénea e alargada a que talvez possamos chamar “os jovens intelectuais de Lisboa”, é o amor à minha terra: o modo como a vivo e invoco, como escrevo sobre ela e a ela remeto tudo o mais. A mais ninguém o devo como à minha mãe, Eva.
Essa será, um dia, a maior de todas as suas heranças. Sê-lo-á mesmo sem que ela saiba que o é, provavelmente. E, consiga eu tocar uma só pessoa como ela me tocou a mim, persuadindo-a do quão fundamental é essa pessoa ser do lugar de onde é e de como nada poderá explicá-la melhor do que ser do lugar de onde é, já terão valido a pena todos os livros e todos textos e todas as palavras que eu tenha escrito ao longo da vida.


