Popcorn Time, um app pra assistir filmes por streaming (e o que ele poderia significar pra Hollywood)

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Eu estava um pouco receoso em escrever sobre o Popcorn Time. De forma geral, eu não gosto de legitimizar ou recomendar pirataria, e sou um fã absoluto das formas legítimas de obter entretenimento. Adoro o Netflix, o GOG, o iTunes, e se curtisse jogos atuais provavelmente adoraria o Steam tanto quanto vocês.


Além disso, como em toda solução “não legítima”, existem riscos inerentes ao uso do Popcorn Time. Não quero que ninguém se foda por sugestão minha — parece idiotice mas às vezes eu me sinto meio responsável pelo meu papel de “formador de opinião”, por mais babaca que isso soe quando você usa o termo se referindo a si próprio. Já consigo visualizar gente que me odeia usando o termo sarcasticamente pra me sacanear. Mas enfim, se eu fosse deixar de me expressar honestamente por medo da reação de haters — que vão hatear no matter what — eu deveria então desistir da internet.


Então. NORMALMENTE o Popcorn Time não seria algo que me empolgaria tanto ou que eu recomendaria (na real não estou oficialmente recomendando-o, se ligue nos disclaimers que virão lá embaixo). Acontece que além do simples “NOSSA GALERA VEJA SÓ FILMES GRÁTIS!”, eu acho que há nele uma oportunidade inédita de monetizar conteúdo hollywoodiano. Reconheço que é um sonho demasiadamente esperançoso, mas pelo menos ouve o argumento aí!


O que é o Popcorn Time?


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O Popcorn Time é um aplicativo open source beta pra fazer streaming de filmes. Após instalar o app, você é recebido por uma interface bastante polida — a apresentação meio que lembra o iTunes. No app, os filmes são separados em diversas categorias, e há também um search bar. Já fiz inúmeras experiências e, até agora, não teve UM FILME SEQUER que o app não achou.


O playback dos vídeos é macio, geralmente disponível em 720 ou 1080, e com várias opções de legenda (sim, incluindo português). Não há, por enquanto, um método Netflix-like de continuar um filme de onde você parou da última vez.


Ok, parece uma maravilha. Qual o “catch”, como dizem os gringos — ou seja, qual a pegadinha, o problema com a parada? O problema — e ao mesmo tempo, a explicação da tecnologia da parada — é o seguinte: o Popcorn Time está catando filmes através de torrents, mas em vez de baixa-lo (como você faz com o uTorrent), ele apenas dá stream no vídeo.


Meu primeiro medo, evidentemente, foi de malícia dos desenvolvedores. O github do app está aí, e evidentemente ninguém acusou o aplicativo de nenhuma função nefasta ainda. Scans do aplicativo em diversos antivírus diferentes também não revelaram nada. Isto NÃO É UM ENDOSSO, que fique claro: estou apenas relatando os fatos. Continue ciente de que você está usando um aplicativo não-legítimo, pra uma finalidade tecnicamente ilegal, e que é extremamente novo, e por isso há SEMPRE riscos de segurança.


Instalei no meu Mac, e rodou exatamente como o site prometia. Assisti trechos de inúmeros filmes pra testar, tudo funcionando direitinho. Instalei no HTPC da sala, uma máquina capenga, e como os filmes engasgavam em míseros 720 eu desisti de experimentar mais a versão Windows.


Resumo do negócio:  uma forma mais polida, rápida e prática de assstir filmes via torrent. É um app muito recente, feito por sabe-se lá quem, mas você pode fuçar o código fonte dele se quiser. Pra quem não tem medo de vírus/trojan/cair numa botnet, e já assiste filmes via torrent sem nenhuma ressalva (algo que eu não faço há anos), o Popcorn Time pode significar a desinstalação do uTorrent no que diz respeito a assistir filmes.


Agora, eu percebo uma oportunidade maior no Popcorn Time. Eu acho que através dele, ou de alguma solução similar a ele, Hollywood pode tomar de volta o conteúdo que vem sendo pirateado pela internet há mais de uma década a essa altura.


Vamos aos fatos. É basicamente impossível desligar torrent. O Napster e similares tomaram no rabo porque eram centralizados e lidavam com os arquivos sendo trocados; já a natureza p2p do torrent garante que ele está aqui pra ficar.


Eis a solução que eu imaginei ao ver o Popcorn Time funcionando tão bem logo de cara — e se Hollywood (e eu estou generalizando como se fosse uma entidade única e homogênea só pra simplificar a hipótese) chegasse pros devs do app e dissessem:


“É o seguinte. Não queremos desligar seu aplicativo. O que queremos é trabalhar com vocês, pra monetizar os streams de alguma forma, com publicidade ou algo assim. Em troca disso vocês trabalham pra gente em alguma capacidade oficial, como gerentes de distribuição de conteúdo ou algo assim”.


Pense comigo: o que exatamente Hollywood teria a perder fazendo isso? Sabemos que a luta contra o torrent é completamente impossível, onerosa e insustentável. Fechar os serviços de nada adianta (lembra aquela briga imensa com o Pirate Bay há alguns anos? Deu em que? A julgar pelos filmes que você talvez esteja baixando de lá agora mesmo, NADA).


Sabemos que a infraestrutura já existente (sites trackers, milhões de pessoas baixando e seedando arquivos, a comunidade que desenvolve clientes de torrent) é absurdamente resiliente. A estratégia de assustar alguns poucos “peixe grandes” do filesharing com processos também não dá em porra nenhuma — e pior, às vezes gera situações absurdas que os pintam como inimigos quase cartunescos dos fãs dos filmes.


Se Hollywood adotasse um app como o Popcorn Time da maneira que eu sugeri, eles estariam efetivamente reconquistando o material “roubado”. Haveria até um senso de justiça poética, porque a infraestrutura que serviria o conteúdo (e assim, a publicidade) estaria sendo mantida pelos pirateiros. Quando mais gente “pirateando” os arquivos, melhor o Popcorn Time seria pra passar os filmes.


Se você acha ridícula a idéia de “reconquistar” material roubado, saiba que já existe muitos precedentes disso. O já citado Napster, por exemplo, começou como um antro de pirataria e virou eventualmente um serviço legítimo. Mais recentemente — e com mais sucesso –, temos o exemplo do iTunes Match.


Pra quem não conhece, o iTunes Match basicamente escaneia sua biblioteca e, por 25 dólares por ano, a disponibiliza em todos os seus outros aparelhos da Apple, mesmo que suas músicas tenham todas sido baixadas pelo Pirate Bay. Enquanto você pagar aqueles 25 dólares por ano, toda a sua biblioteca ilegal se torna legítima.


Ou seja — o iTunes Match permite que a indústria fonográfica ganhe alguma grana capitalizando em cima de uma já existente infraestrutura de músicas pirateadas. A decisão é ridiculamente fácil — podemos continuar perdendo na luta contra a pirataria… OU, podemos oferecer um serviço legal que rende grana e faz uso desse monte de músicas que já foram “roubadas” de qualquer forma.


Os resultados de uma “legitimização” de um app como o Popcorn Time seriam radicais. De uma hora pra outra, o cara que baixa e faz upload de filmes passaria de VILÃO (pros olhos de Hollywood) pra um mantenedor do serviço. Quer baixar e upar nossos filmes? Ok, não temos como impedir isso mesmo, a última década já deixou isso claro. Mas AO MENOS ao fazer isso você está fortalecendo as nossas fontes de stream monetizado, então obrigado de qualquer forma!


E como a experiência do Popcorn Time é infinitamente mais agradável e conveniente pros leigos — e seria mais propagandeada, também, uma vez que se tornasse legítimo –, é uma certeza objetiva o fato de que mais pessoas estariam usando a versão monetizada do stream em vez de se aventurar fuçando em sites de torrent.


Na PIOR das hipóteses, o desinteresse nos torrents convencionais seria TAMANHO que isso interromperia a infraestrutura de stream do Popcorn Time. Releia a frase anterior: na PIOR das hipóteses, essa solução acabaria com a pirataria. Reconstruir uma estrutura de stream seria um preço baixíssimo a se pagar pela eliminação de um antigo arquiinimigo que “roubava” bilhões de dólares anualmente da sua carteira, não acham?


Essa mudança de paradigma entre Hollywood e os pirateiros, de “gato e rato” pra “relação simbiótica”, poderia revolucionar completamente o problema da pirataria. Lá pro começo dos anos 2000, o iTunes desmistificou o demônio do download de mp3s — um palavrão nos círculos das gravadoras, graças ao Lars Ulrich — e graças a ele a indústria fonográfica foi capaz de recuperar o que estava perdendo.


O VHS foi a mesma coisa, se você parar pra pensar. Primeiro causou medo nos estúdios, que tinham como status quo o mecanismo “lançamos um filme, ele vai pro cinema, você assiste lá, acabou”. A idéia de permitir que alguém assistisse filme em casa levou executivos de Hollywood ao histerismo (o medo dos métodos caseiros de reprodução de vídeo gerou uma briga judicial que foi até a Suprema Corte dos EUA, aliás). Alguns anos depois, o home video propriamente capitalizado significa uma grande fatia da rendimento de um filme.


Às vezes uma idéia maluca e que inicialmente ameaça o zeitgeist, quando bem implementada, acaba se tornando uma solucão genial.


Seria problemático subitamente legitimizar toda uma infraestrutura de pirataria? Claro. Isso deixaria velhos parceiros de Hollywood (como o Netflix, que é pago) meio que na merda? É verdade. Mas às vezes é preciso sacodir o status quo mesmo, em prol de um melhor serviço pros consumidores — e de tomar de vez as rédeas de uma guerra mais longa e sem futuro que as incursões dos EUA no Oriente Médio.


Lembrem-se que tinha uma época em que as gravadoras bufavam de raiva contra a mera idéia de música em formato digital, e insistiam (através de longas batalhas judiciais) que devíamos comprar CDs em vez de baixar músicas. Quantos CDs eles andam vendendo atualmente?


Fiquem de olho nesse Popcorn Time.


(Apesar dos pesares, que fique bem claro: não recomendo o app por questões de segurança; se for usa-lo, use-o por própria conta e risco. Você está sujeito, teoricamente, a vírus, trojan, e às consequências legais de baixar filmes por torrent. Também não endosso pirataria; estou mais empolgado com o que um app como o Popcorn Time poderia fazer pelos cinéfilos e pela indústria como um todo, do que com a habilidade de ver filme de graça ilegalmente — algo que na real já temos há anos)


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Published on March 03, 2014 18:51
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Izzy Nobre
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