Defendendo Matrix Reloaded
Em 1999, o lançamento de The Matrix foi um acontecimento ímpar pra mim.
Aquela era uma época em que ainda tínhamos aquele luxo de ir ao cinema e assistir um filme sem grandes noções do que a trama se tratava. Tínhamos UM trailer e só — e a gente não podia ficar assistindo repetidamente via YouTube. Você assistia trailers em prestações, pegando este ou aquele trecho enquanto mudava de canal na TV aberta e tal.
Algumas poucas vezes, o filme tinha um site que oferecia um trailer em resolução porquíssima, tipo sub 240p. E de fato, o trailer de The Matrix foi o primeiro que eu baixei na internet.
Fui ver o filme no cinema e não gostei muito. Como muita gente, eu achei os conceitos do filme complicados de seguir; muitas referências e nuances narrativas/filosóficas passaram totalmente batido. Cheguei até a dormir no cinema, de tão confuso/desinteressado eu acabei ficando.
Aí o filme saiu em DVD — foi, inclusive, um dos primeiros DVDs que meu pai comprou, junto com Aliens (filmaço do caralho) e Deed Blue Sea (que bosta). Assisti-lo repetidamente me permitiu absorver tudo que os irmãos (bom, hoje, irmão e irmã) Wachoskswwskplxlki enfiaram naquele script.
E vou te falar que não foram os efeitos especiais revolucionários (que influenciaram o cinema de ação naquela época ao ponto de exaustão; os early 2000 MATARAM o bullet time) que me prenderam: foram os conceitos filosóficos.

Acho que esse GIF é mais pesado que aquele trailer de Matrix que baixei em 1999
The Matrix apresentou a mim um dos meus conceitos narrativos favoritos: a idéia de que a realidade que conhecemos não é tão real assim. De lá pra cá eu me amarro imediatamente em qualquer história que aborde isso.
A quase perfeita execução desse conceito no filme (junto com a ação revolucionária) fez de The Matrix um dos meus filmes favoritos de todos os tempos. Eu sou daqueles que tem praticamente o roteiro INTEIRO do filme memorizado. Aliás, eu baixei o script original do filme e tudo, o tipo de coisa que só o fã mais ardoso e desocupado faz.
Quando The Matrix Reloaded foi anunciado pra 2003, evidentemente eu fiquei maluco. Já completamente fanático pelo filme, fui assistir a continuação no dia que saiu, e ao chegar em casa do cinema corri pros sites/fóruns pra ver o que a galera estava falando.
E as opiniões eram bem divididas. Com o lançamento de The Matrix Revolutions poucos meses depois (um filme TÃO decepcionante que no final da sessão no cinema eu me sentia como se meus pais tivessem revelado que eu sou adotado ou algo assim), me parece que as resenhas retroativas de The Matrix Reloaded pintaram o filme como igualmente merda.
Essa introdução toda aí foi pra falar o que você já sabia lendo o título deste artigo — hoje eu estou aqui para defender The Matrix Reloaded.
Em primeiro lugar, quase todo o setup de The Matrix Reloaded foi excelente. A trama foi expandida de formas que a gente não esperava; por exemplo — o segundo filme mostra logo de cara que os papos do Morpheus (basicamente aceitos como fato pela grande maioria dos personagens) representam uma crença religiosa extremista. Inúmeras vezes o filme se dá ao trabalho de mostrar que não, Morpheus, nem todo mundo acredita nessas suas maluquices de Oráculo, profecia, “o Escolhido”, porra nenhuma. Para de falar merda e me ajuda aqui a defender essa cidade!
E a cidade, então? Zion nos foi apresentada apenas por nome no primeiro filme, como aquela garota que seu amigo jura que é gostosa mas você nunca viu. O segundo filme nos mostrou a última cidade humana como o lugar miserável, escuro e decrépito que você imaginava que deveria ser — o que trouxe de volta à baila o dilema do Cypher, que deus o tenha: acordar da Matrix é realmente uma coisa boa…? Conhecer a “verdade” a preço do conforto e segurança pessoal valem a pena…? Independente disso, foi legal ver a cidade subterrânea.
Agora, uma das coisas que mais saltou aos meus olhos reassistindo Reloaded recentemente foi a totalmente injustiçada cena da “orgia na caverna”. Você sabe do que eu estou falando.
Após um discurso inspirador do Morpheus, os Zionenses (que estavam até então com o cu na mão com papos de que as máquinas estão vindo pra detonar tudo) bradam orgulhosos, e sem seguida começam a se pegar fortemente. Eis a cena, caso você não se lembre.
Até hoje, muita gente diz que a cena foi “desnecessária”, ou “vergonhosa”. Repare que os comentários do vídeo que eu linkei são, em geral, negativos. Eu acho que essa galera não prestou atenção em alguns temas do filme.
Em uns 2 ou 3 momentos diferentes do filme, a frase “apenas humano(s)” é dita por um personagem pra outro. Essa repetição não é acidental; a mensagem nas entrelinhas é que apesar dos super poderes, das roupas super cool, das cenas de ação… essa galera é apenas humana.
E na cena da caverna, vemos uma cambada que não apenas vive completamente na merda mas que também acabou de ouvir que um exército de máquinas está a caminho pra matar a todos.
E eles são apenas humanos — qual seria o ímpeto MAIS HUMANO nessa situação?
Naquela cena, eu penso que os cineastas estavam culminando o discurso de que essas pessoas são, apesar de tudo, inerentemente humanas — e que os ímpetos interentemente humanos não podem ser ignorados. Aliás, lembra da cena do primeiro filme em que o Mouse oferece pro Neo um encontro sexual com a “Mulher de Vermelho”? Você prestou atenção no que ele disse pro Neo…?
http://www.youtube.com/watch?v=BHCGti6HeeI
Mouse: Pay no attention to these hypocrites, Neo. To deny our own impulses is to deny the very thing that makes us human.
Essa frase não foi por acaso. A semente desse conceito tava lá. Sexualidade, queira ou não, é uma parte intrínsica da condição humana. E somos “apenas humanos”, o filme deixa claro inúmeras vezes. Diga pra um monte de humanos que eles estão prestes a encarar a aniquilação total e você não verá uma cena diferente daquela.
A outra cena que causou incômodo foi a cena do Arquiteto.
http://www.youtube.com/watch?v=2wdKlWXyUkc
(Repare nessa cena a presença da frase “você continua irrevogavelmente humano“; novamente batendo na tecla da identidade dos protagonistas. Agora que paro pra pensar, essa fala aparece no filme mais do que eu lembrava)
O primeiro nível do incômodo é que a cena é bem difícil de acompanhar. Eu vi o filme duas vezes no cinema e entendi quase nada das duas vezes. Hoje, uma década depois, sendo um pouco menos burro e não dependendo da tradução da legenda, a cena faz mais sentido.
Basicamente, a Matrix roda em ciclos porque eventualmente um grande número de humanos começa a rejeitar o sistema. Pra contra-balancear isso, eles criaram a opção de humanos fugirem pra Zion — ou seja, Zion não era a “Matrix dentro da Matrix” que tantos interpretaram, mas é sim uma parte do sistema de controle.
Só que mesmo com Zion, os humanos continuam insatisfeitos e se “desplugando” em demasia — vide que o papo do Morpheus de que eles liberaram “mais mentes nos últimos 6 meses do que nos últimos 6 anos”, que ele interpretava como vitória da causa, nada mais é do que uma característica do sistema. E isso acaba fazendo com que a Matrix dê pau.
Chega num ponto da simulação em que ninguém mais a aceita, e ameaça o negócio todo a entrar em colapso. E é nisso que entra o Escolhido: ele pega 23 pessoas da Matrix, as liberta, essas pessoas repopulam Zion, e a Matrix é recarregada (daí o nome “Reloaded”).
E o processo se repete infinitamente. No universo do filme, esta é a 6a vez.
Isso cai naquilo que eu falei da expansão do universo. Muitas continuações são basicamente o mesmo filme com alguns elementos substituídos de forma inconsequente por outros. Matrix Reloaded realmente expande o universo do primeiro.
O outro nível em que essa cena funciona, pra mim, é na alegoria religiosa — outra coisa que acontece sem parar na série inteira. Neo é, muito evidentemente, uma metáfora pra Jesus. E o Arquiteto, o “pai” da Matrix, seria então Deus.
Existem inúmeros textos religiosos neste mundo, boa parte deles completamente contraditórios entre si. Todos não podem estar simultaneamente corretos, evidentemente, o que me leva a concluir que se um contato entre humanos e Deus(es) já ocorreu de fato, ele é muito confuso e/ou insatisfatório, pra gerar tanta falta de consenso. O que é de se esperar; você acha que numa tentativa de comunicação entre um homem e uma formiga, a formiga entenderia alguma coisa…?
E talvez por isso a cena seja tão difícil de entender, e gera tantas diferentes interpretações. É a “palavra de Deus”, explicando o significado da vida e do universo, pra alguém que não tem o aparato intelectual pra compreender.
E existe um paralelo bíblico para a reação do Neo de não entender/discordar/ficar puto com os planos do Arquiteto. Jesus nem sempre entendeu ou concordou com os planos de seu Pai; tanto no jardim do Getsemani (Lucas 22) quanto no Calvário (Mateus 27:46), isso fica patente.
Então é isso. Acho Matrix Reloaded um filme melhor do que damos crédito, E as partes que mais reclamaram fazem sentido dentro de seus contextos.
Pode chilicar aí nos comentários.

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