Clarice, uma paixão

Clarice Lispector 1

Já fui um grande leitor da obra de Clarice Lispector. Na época da faculdade de Letras, que não cheguei a concluir, ela e Caio Fernando Abreu eram meus escritores brasileiros favoritos. Tal preferência, hoje, pode soar super comum, mas numa era pré-Orkut a popularidade desses dois não chegava sequer aos pés do que é hoje — nem mesmo no curso de Letras. Lembro de muitas vezes ouvir a pergunta “Caio quem?”, ou a constatação “Clarice? Não entendo nada do que ela escreve.”, o que geralmente me levava a fazer a mesma coisa que João, a pessoa que me recomendou esses autores após ler alguns dos meus contos, fez comigo: falar um pouco da obra, dos autores, recomendá-los.

Durante o período que ficou conhecido como “Orkutização”, entretanto, tais autores se popularizaram de um jeito que eu jamais poderia ter imaginado: milhares de pessoas citando-os diariamente e fora de contexto, sem jamais terem lido um único parágrafo de qualquer de seus livros, reproduzindo citações em blogs, comunidades do Orkut e outras redes sociais etc., e o pior: muitas atribuições falsas — algumas, fruto de um ctrl+c ctrl+v inocente; outras, do sarcasmo de alguns desocupados.

“Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto), e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei. Eu estava tão nervosa e elétrica e cansada que quebrei um copo.”

(Clarice Lispector, numa carta que mandou a uma amiga três anos antes de morrer. Soa como uma verdadeira profecia do que aconteceria durante sua orkutização, não?)

Esse cenário conseguiu encher meu saco ao ponto de me fazer dar um fim a todos os meus livros de Caio e Clarice: vendi alguns, dei outros, e não voltei a reler nenhum dos dois por bastante tempo, até que ganhei de presente o livro Cartas perto do coração — correspondência entre Fernando Sabino e Clarice Lispector — e percebi a bobagem que era tudo aquilo: um milhão de idiotas gostando, mesmo que precariamente, de uma coisa não torna aquela coisa idiota — vide Beatles, por exemplo, que continua tão bom quanto sempre —, e talvez eu é que fosse o verdadeiro idiota por me incomodar com aquilo a ponto de desvalorizá-los.

Tudo bem: meu bom senso estava parcialmente recuperado, mas eu achava que jamais recuperaria a paixão e o fascínio que Clarice me despertava naqueles tempos: eu era obcecado por sua persona, de certa forma até apaixonado por ela, por sua sensibilidade, sua tristeza, seu mistério.

Esses dias, entretanto, pude finalmente começar a leitura de sua biografia (Clarice, uma biografia), escrita por Benjamin Moser e publicada pela Cosac Naify, e toda aquela paixão, todo aquele fascínio, parecem finalmente estar voltando com força redobrada. Moser, um autor notavelmente perspicaz e sensível, escreveu uma obra-prima do gênero, uma obra, digamos, à altura de Clarice em todos os aspectos — vocês, leitores do blog, sabem que adoro biografias e até já comentei algumas por aqui —, e, a despeito de ainda não tê-la finalizado, já a coloco entre as minhas favoritas.

Minha missão, agora, é recuperar todos os livros de Clarice que, de certa forma, perdi.

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Published on September 12, 2013 06:42
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