Minha Biblioteca Particular
Comecei a comprar livros um pouco tarde. Quando criança, nunca os tive; e quando passei a comprá-los, na adolescência, bem, dinheiro não era assim tão acessível, o que limitava minhas aquisições a livros usados, muitas vezes em papel jornal ou publicados há pelo menos duas gerações antes da minha.
Também roubei alguns exemplares em bibliotecas públicas — pelos meus cálculos, devo ter entrado para a lista dos dez mais procurados pela Polícia Bibliotecária Estadual —, algo que remediei, anos mais tarde, com doações regulares. Não, eu não me arrependo (“Crime não é roubar livros, crime é não lê-los”, diz Bolaño, que hoje é um dos meus autores favoritos, e com o qual quase sempre estou de acordo), tampouco faço as doações por causa de peso em minha consciência. Não, não é o caso: foi assim que comecei a juntar meus primeiros livros — alguns volumes baratos em sebos, algumas doações de professores e amigos, alguns furtos —, e quando a situação melhorou e consegui um trabalho que pagava um pouco melhor, comecei a frequentar livrarias.
“Um dia terei uma biblioteca em minha casa”, prometi a mim mesmo, sonhando com o lugar no qual receberia minhas visitas para um café ou uma partida de xadrez, no qual passaria horas deliciando-me com leituras e estudos, e, evidentemente, no qual escreveria meus próprios livros.
Também prometi que ela seria erguida em homenagem a algum escritor que eu amasse, mas adiei a escolha para quando adquirisse o milésimo exemplar. E assim foi: livro a livro, a cômoda na qual os empilhava se tornou pequena, e logo precisei de uma estante, minha primeira. Depois dela, outra, e outra, e assim por diante.
Os anos passaram, trabalhei ali, trabalhei aqui, mas nunca deixei de gastar boa parte do salário com livros — o que causou inúmeras discussões com minha ex-noiva, que não via a menor necessidade de comprar tantos livros quando precisávamos investir e viabilizar nosso hipotético casamento.
Recentemente, olhei para minhas estantes e decidi que já era hora de contá-los. Teria finalmente atingido o milésimo exemplar? Aproveitei que a casa estava em reforma e fiz a contagem, constatando ao final que possuía exatamente 998 livros (e eu recém havia doado cerca de 20 volumes da coleção Por ele mesmo!). “Tudo bem”, pensei, “essa semana vou à livraria mesmo...”
E foi o que fiz: aproveitando que possuía algum desconto, comprei dois livros — O Oceano no Fim do Caminho e Príncipe de Histórias, os Vários Mundos de Neil Gaiman —, e aproveitei para mandar fazer o primeiro carimbo de minha biblioteca, a Biblioteca Particular Fiódor Dostoiévski.
Não poderia ser outro que não o russo. O motivo? Para mim, trata-se do maior escritor de todos os tempos, ninguém conseguiu ir além dele — e talvez seja, como disse um cínico certa vez, o único escritor necessário. “Só isso” não teria sido suficiente para mim, mas acontece que Dostoiévski foi o primeiro escritor que mexeu com minha visão de mundo, o primeiro que, digamos assim, me colocou pra pensar o homem, a arte, a ideia de Deus, a existência humana, a sociedade.
Também foi o primeiro escritor que me deixou meses deprimido (o segundo foi o Roberto Bolaño), mergulhado em um verdadeiro labirinto de reflexões, e o primeiro grande “marco” em minha formação.
Não, não poderia ter escolhido outro.
Continuarei trabalhando para que um dia ela seja exatamente como a vejo em meus melhores sonhos.