Terra Chã, 7 de Junho de 2013
Encontro-me com o P., que também me fala em emigrar. É o segundo empresário terceirense que o faz esta semana. Diz-me que lhe custa a encaixar esta nova tendência dos açorianos para diabolizar a iniciativa privada. Sabe que ela também tem culpa no actual estado da economia regional, até porque nos últimos anos se limitou a investir no consumo (e não na produção de riqueza, não nas exportações, não na estratégia), mas não consegue perceber que a governação saia ilesa do diagnóstico, quando na verdade, e enquanto entidade gestora de milhões e milhões e milhões em fundos comunitários, é a maior de todas as culpadas. Eu pergunto-lhe o que esperava ele. Há uns dez anos que é assim: os privados despedem, o Governo dá dinheiro. Entretanto, esgotou-se quase por completo a massa crítica destas ilhas. O povo alheou-se, a economia definha, a política alimenta-se da exclusão. Dantes, como ainda há dias mo definiu o C. (demorei a concatená-lo, mas agora parece-me o retrato perfeito do momento que vivemos), alguém não aparecia numa reunião e os outros ficavam preocupados: os projectos precisavam dos melhores, havia que partir a recuperá-lo; hoje, alguém não aparece e é menos um para competir pelos lugares. Na Córsega – insisto – começou assim.
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A ler “Murmúrios Com Vinho de Missa”, de Álamo Oliveira, cuja publicação pela Nova Delphi tentei promover e que acabou publicado pela Letras Lavadas (felizmente, estou convicto). Se não fosse mais nada, era um livro de uma coragem quase insana. É mais do que isso, porém. E, no entanto, desconfio que se vai perder pelas prateleiras. O mínimo que podia pedir-se era um escândalo. Idealmente, debate. Mas nada – é certinho.
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Aproveito para o sugerir ao menos ao F.. Encontro-o na rua e vamos tomar um café. Quer dizer-me o quanto gostou de “Os Sítios Sem Resposta” e o quão inquieto o deixou a desesperança do respectivo desenlace. Tem um amor genuíno aos livros – daquele amor que já quase só existe nos próprios livros: emocional, fascinado, totalmente gratuito. Não se distingue do próximo porque lê: apenas pede que não o chateiem muito por ler demasiado, em vez de socializar. Tem a minha idade, é um profissional competente e respeitado, faz uma horta. A certa altura, bate com a mão na testa: tem um peixe no forno e precisa de voltar para casa, para servir o almoço à mulher. E, ao fazê-lo, resgata um pouco o meu dia. Nem tudo está perdido, afinal.


