A Maré
Carta mensal da MP Advisors
"O dinheiro compra até o amor verdadeiro."Nelson Rodrigues
Não creio que os atuais presidentes dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e Japão conheçam a obra de Nelson Rodrigues, eles porém concordam e usam a frase à exaustão. Até porque esse dinheiro não é deles e é muito fácil de imprimir. Como diria Ben Bernanke, além de amor verdadeiro, o dinheiro compra também inflação de ativos.
Nesta carta mensal iremos falar um pouco lá de fora, afinal países periféricos como o Brasil nada mais são do que barquinhos que sobem e descem de acordo com a maré, representada pelos grandes blocos econômicos. De vez em quando, nosso barquinho é acometido da síndrome de Netuno, que segundo a mitologia acalma e enfurece oceanos, mas logo depois o enfermeiro traz o seu remédio e ele se acalma.
Os dados estão aí: no governo FHC os preços das commodities caíram; no governo Lula subiram 180% e no governo Dilma já caem 15%. Analisando-se o desempenho da economia nacional nestes três governos, entendemos que parte não desprezível do crescimento (ou da falta do mesmo) advém justamente do que acontece no resto do mundo, a famosa maré. Mesmo que recentemente a estagflação brasileira seja resultado das escolhas de Dilma, ainda assim vale olharmos como andam as coisas pelo mundo.
Em sua última reunião, o Federal Reserve manteve as taxas de juros perto de zero e nos informou que continuará a inundar o mercado de dinheiro, comprando USD 40 bilhões por mês de papéis hipotecários e USD 45 bilhões por mês de títulos governamentais mais longos. Com isso, o FED irriga a economia (via mercado imobiliário) e mantém as taxas de juros de longo prazo artificialmente baixas. Porém, Ben Bernanke e seus diretores avisam que o "open bar" tem data e hora para acabar. Assim que a taxa de desemprego chegar em 6,5% (está em 7,7%) ou a inflação subir além de 2,5% (projeção de 1 ou 2 anos) eles irão começar o desmonte da festa.
Na Europa, as tensões financeiras que tinham acalmado desde o segundo semestre do ano passado, retornaram. O Chipre, país pequeno e pouco importante, quebrou e teve de ser socorrido. Até aí nada demais se não fosse pela forma que isto está sendo conduzido. Como contrapartida para uma ajuda de cerca de USD 10 bilhões, a ilhota deverá concordar em "taxar" os depósitos bancários acima de EUR 100 mil em algo como 30%. É notório que o sistema bancário cipriota é uma máquina de lavar dinheiro ilegal, especialmente da Rússia, porém um confisco é sempre um confisco. Fica complicado convencer um português, um espanhol, um grego ou um irlandês que ele deva deixar a sua poupança num banco local, após esse "plano collor" cipriota. A população da zona do euro, criada na filosofia social-democrata, não está vendo retorno para os ajustes fiscais e já começa a protestar na urnas. A recente eleição italiana, onde um comediante (e um partido sem estrutura nenhuma) abocanhou 1/3 dos votos, é o maior reflexo disso.

Na Ásia, o Japão cansou de apanhar sozinho na guerra cambial e entrou na farra da impressão de dinheiro. Com isso o yen caiu de 75 para 95 por dólar. As exportações japonesas agradecem; o movimento até demorou, tendo em vista que o ambiente era deflacionário desde a década de 90. Porém sabemos que a guerra cambial, em termos de crescimento global, é um jogo de soma zero. Agora foi a vez dos japoneses. Na China, há o começo de um novo governo com metas claras e ambiciosas de crescimento estável em 7,5% ao ano e inflação não superior a 3,5%. Tarefa particularmente complicada, pois a China está em fase de transição de crescimento via exportação (mão de obra muito barata) para crescimento via consumo interno. Cabe ressaltar que a demografia chinesa está mudando muito rapidamente e isso terá impactos grandes no mundo. A taxa de reposição chinesa é de 1,4 filhos por mulher,levando a um envelhecimento acelerado da população. Hoje há 116 milhões de pessoas entre 20 e 24 anos. Esse número deve cair para 94 milhões em 2020 e para apenas 67 milhões em 2030. Enquanto isso, o time das pessoas acima de 60 anos já conta com 180 milhões, vai para 240 milhões em 2020 e 360 milhões em 2030. Além do óbvio problema previdenciário, haverá cada vez menos jovens querendo ir para as fábricas, pelo menor número de jovens e por eles quererem fazer faculdade e não ir para uma linha de montagem.
O modelo chinês, que tanto ajudou os emergentes produtores de commodities, está em franca transição e parece que isso nem passa pela cabeça das nossas autoridades econômicas. Aliás, a demografia é sempre vista como uma ciência de longo prazo, porém os efeitos já estão aí. Parte do que a Europa/EUA vivem hoje (baixo crescimento, contas fiscais que não fecham) já é função de uma população declinante. A figura, no centro da página, ilustra essa desaceleração de longo prazo.
A baixa volatilidade que os ativos financeiros exibem já há quase um ano são um reflexo do fato que os blocos econômicos estão mais ou menos sincronizados em seu expansionismo monetário. O bom senso indica que isso não deve durar, pois os EUA estão bem na frente do resto em todo processo. Imaginem o que será um banco central americano recolhendo dinheiro enquanto os outros continuam na festa? Interessante não? Por hora, a festa sincronizada dos bancos centrais e a baixa volatilidade parecem continuar, mas não por muito tempo. O fato é que o mundo está envelhecendo, as fontes de crescimento econômico estão se esgotando e a dívida de quase todo mundo está muito alta. Como a conta fecha? A resposta de médio e longo prazo é complicada, um pouco mais de inflação, um Chipre aqui e outro acolá, alguma revolução tecnológica? Mente quem diz ter visibilidade nisso.
No curto prazo (até o fim deste semestre) a inflação global deve se manter comportada, e com isso a renda fixa (bonds) corporativa deve continuar atrativa (embora bem vulnerável ao fim da festa). As ações de empresas americanas devem continuar a se valorizar, embora mais caras que seus pares europeus. Falando em ações, a pobreza das ações brasileiras frente ao resto do mundo também deverá permanecer ( motivos aqui explicados anteriormente). Gostamos particularmente (porém sempre selecionando) do setor imobiliário (fundos imobiliários e empresas do setor) nos Estados Unidos, que ainda oferece diversos ativos com boas chances de ganho. Não vemos o ouro com valorização abrupta de curto prazo, porém achamos que as quedas devem ser aproveitadas para posições de médio e longo prazo contra a inflação global que tem boas chances de ocorrer. Em resumo, a festa do dinheiro barato ainda deve demorar mais um pouco, mas o fim dela não deverá ser tranquilo não.
Published on April 01, 2013 13:25
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