Directo ao assunto II
1. O SOUNDBYTE DE LISBOA. No afã de capitalizar as novas medidas de austeridade anunciadas pelo Governo da República, Vasco Cordeiro quase se esqueceu de que a sua adversária para as eleições de Outubro é Berta Cabral, não Passos Coelho. Percebo a excitação, até porque os números das sondagens promovidas pelos diferentes partidos, tanto quanto a reacção do povo anónimo às sempre tímidas investidas de rua do candidato da continuidade, haveriam de estar a desanimá-lo um pouco. Mas o melhor é tornar a focar as intervenções na política interna, até porque a sua relação com Lisboa vai de desastre em desastre. Primeiro, o seu Governo assina com Passos Coelho um resgate verdadeiramente draconiano, definido em termos com que provavelmente nem o Primeiro Ministro sonhara e que devolve ao País, durante os próximos dez anos, uma boa parte da autonomia da Região. Depois, e no próprio dia em que Passos Coelho anuncia o terramoto fiscal e contributivo que vem deixando os portugueses em polvorosa, dá uma entrevista ao jornal “i” em que manifesta compreensão perante a urgência de medidas excepcionais para a redução da dívida pública nacional, entrevista aliás publicada apenas duas páginas antes de outra em que Berta Cabral sublinha a sua total discordância para com o agravamento da austeridade. E, logo a seguir, ainda sai a terreiro para tentar explorar em favor próprio as medidas mais impopulares do Primeiro Ministro, esquecendo-se de que não apenas já as aceitara a elas, como inclusive lhe prestara humilde vassalagem a ele. É tanta a trapalhada que quase chego a acreditar naquilo que tantos vêm defendendo: que Vasco Cordeiro foi empurrado para a liderança do PS/Açores a destempo, contra a sua própria vontade e, aliás, contra a vontade de boa parte do seu partido. Na verdade, nunca o saberemos, porque o líder do PS/Açores não foi eleito pelos militantes do partido: apenas coroado pelo rei cessante, na melhor tradição dinástica. Pessoalmente, quero crer que está sobretudo a aprender, ainda que um pouco em cima da hora. Com toda a franqueza, e por muito que apoie a sua adversária, não acredito que Vasco Cordeiro seja tão fraco como parece a quem acompanhou as suas intervenções dos últimos dias e acompanha as entrevistas que, aqui e ali, concede aos órgãos de comunicação social do continente. Ou, pelo menos, assim o desejo, porque os Açores vão precisar de uma oposição de qualidade.
2. UM EXEMPLO: SANTA MARIA. Não, a proposta de nova frequência aérea para Lisboa não é o único (nem sequer o pior) insulto eleitoralista com que o PS/Açores está a tentar recuperar da desvantagem nas intenções de voto na ilha de Santa Maria. O supremo insulto feito aos eleitores de Santa Maria – e é apenas um exemplo, porque em todas as ilhas há um insulto maior do que os outros – foi a pré-negociação dos valores para a expropriação dos terrenos para os quais está projectado o campo de golfe da ilha. Esse campo de golfe nunca vai nascer. Essas expropriações nunca serão feitas. E, no entanto, 50 proprietários (mais as respectivas famílias) estão neste momento todos contentes, alguns deles provavelmente até já a fazer gastos por conta, porque o Governo socialista lhes oferece pelas terras um autêntico balúrdio, provando a sua imensa generosidade. É oficial: vale tudo.
3. DEMÓNIOS INTERIORES. Admiro Gustavo Moura há demasiados anos para avaliá-lo apenas por aquilo que vem escrevendo ao longo deste ciclo eleitoral. E, por muito absurdo que me pareça o que agora defende, não consigo deixar de fazer um esforço para lembrar-me de como um dia me ajudou a distinguir o trigo do joio, na política açoriana e não só. Um homem só deixa morrer os seus heróis quando não há mesmo mais alternativa nenhuma.
Textos políticos, Diário Insular, 8-9-12


