Conto: "Dança do Corvo (8ª parte) – Despedidas"


   - Quando partes? – pergunta Hayato, largando o cachimbo e passeando os olhos pela linha de árvores, onde os seus guerreiros aguardavam ordens.               - De imediato – responde a vampira, agarrando a katanae erguendo-se. – Dentro de 4 dias será Lua Cheia, espero chegar à costa antes disso.               - Esperam-te? – questiona, levando a taça de sakeaos lábios, por entre as barbas brancas.               - Cada Lua Cheia, na praia onde cheguei – afirma, encaixando a espada entre o cinto e o hakama, recordando o acordo que fizera com Miguel, na noite em que fora traficada para o país, dentro de um barril. Ao mesmo tempo procura esquecer que teria de voltar a atravessar o oceano, tentando esconder de Hayato o seu medo patológico de grande superfícies de água.                - Durante mais de 30 anos? – admira-se o velho tengu, suspendendo a ingestão do sake e olhando de soslaio para os olhos azul-esverdeados da vampira. – Tens amigos estranhamente leais, Eleanora-chan.               - Assim o espero – alega, sorrindo perante a lembrança dos belos olhos azuis e caracóis louros de Miguel. Sentia falta dele…               - Não tens o salvo-conduto contigo – constata, pousando a taça e perscrutando a amiga com os penetrantes olhos pretos. – Irás buscá-lo? Oh… Estou a ver…                - Far-lhe-á mais falta a ela do que a mim – defende, desviando o olhar, não se sentido confortável a discutir o tema. Tomara a decisão quando partira, não podia dar-se ao luxo de revisitá-la. Ou, pelo menos, não o queria…               - Então irás sozinha? Ela sentirá a tua falta…               - É melhor assim – reforça, tanto para si, como para o mestre, fingindo não ouvir a censura na sua voz. Sobre aquela questão não admitia o parecer de ninguém, nem mesmo dele.                   Memórias insistem em surgir, ameaçando minar a sua resolução. Olhos amendoados, castanho-esverdeados, que desaparecem atrás das pálpebras quando a faz gemer de prazer. A sua mão a passar pelos longos e lisos cabelos negros, antes de desaguar na curvatura sinuosa de costas nuas. Lábios finos, pintados vermelhos pelo sangue fresco, que lhe acariciam o mamilo duro, antes de rodar a língua nele…               Eleanora expulsa as recordações, temendo o seu poder. Fizera a sua escolha. Nada ganharia em mudar de ideias. Era melhor assim…                       - Sabes que se não levares o salvo-conduto será difícil regressar. Talvez até tenhas de voltar a enfrentar as mesmas provações… – adverte o velho tengu. – Não podes contar que todos aqueles que se lembram de ti sobrevivam até lá…               - Hayato-oji, viverás mais anos do que aqueles que já vi. O próprio Deus da Morte não te quer! – brinca a vampira, rasgando um riso malicioso, aproveitando para afastar o que a atormentava.                - Ah! Verdade! Verdade! – concorda, batendo com a palma da mão no joelho. Via bem que algo consumia a amiga, porém, respeitando a escolha dela em não falar sobre o assunto, assim como, não querendo embaraçar-se perante a despedida, aceita a oportunidade para aligeirar a conversa. – Tentarei manter as coisas organizadas por aqui, enquanto espero a desforra, Eleanora-chan. A propósito, se vais sem salvo-conduto seria melhor teres companhia até à costa, não? Shou-kun poderá levar-te. Shou-kun, vem cá! É grosseiro, mas uma jóia de moço.               - Eu sei – reconhece, vendo o jovem tengu de asas castanhas e naginata cortada, voar na sua direcção. – Hayato-sama, obrigado!               A vénia é profunda, abarcando muito mais do que o agradecimento pela escolta e o mestre retribui o grau de reverência. Pela primeira desde que qualquer um dos jovens guerreiros se lembra, a testa de Hayato-sama toca no solo. Então souberam que a Oculta os superara, tornando-se não só uma verdadeira yokai, como um dos Corvos.         FIM
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Published on June 07, 2012 08:02
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