Um “Verdadeiro” escritor? Não percebo.

O que é um “verdadeiro” escritor?
Aqui está uma questão que enche a caneta vermelha o post-it mais antigo (que é como quem diz com maior mau aspecto) que anda pelo meu Moleskine.
É fácil lembrar-me de quando o colei no interior da capa; foi o dia em que terminei o meu primeiro livro, e só quem já passou pelo momento em que se escreve a palavra FIM consegue ter uma ideia do quão estupidamente orgulhosa eu estava de todas aquelas páginas.
Então veio a pergunta: “Agora sou uma escritora... a sério?”
A pergunta veio rápido e fácil, mas a resposta é claro que não!
Com mais uma pequena obsessão na cabeça, andei a magicar no assunto nos tempos que se seguiram.
Eu sempre tive uma “queda” para as letras.
Quando no secundário os meus colegas juntavam dinheiro para as festas, gomas, gelados e alcool eu aplicava o meu em livros... tudo bem, também umas gomas de vez em quando, e o alcool é um segredo a nunca revelar.
Saramago foi uma má escolha, digo-vos que não fiquei feliz com esse investimento.
Quando as minhas amigas compravam a “Ragazza” e depois a “Cosmopolitan”, eu comprava o falecido “Independente” e mais tarde o “Público”... sim, eu era uma alma assim tão velha e tão pouco interessante na altura, e durou ainda mais uns anos, até que comprei o meu primeiro baton aos 25 (sim, 25 anos, não é gralha) e houve uma revelação!
Mas muito antes disso, nos primeiros anos de faculdade, escrever um livro nunca me tinha passado pela cabeça.
O “eu quero ser uma escritora” muito menos!
De um momento para o outro, lá estava eu, com um livro no PC que na primeira página tinha o meu nome em letras grandes e em todas as outras em letras mais pequenas, cabeçalho e rodapé.
Era um livro TODO meu!
“Eu sou uma escritora?”
Estava um 31 armado!
Resolvi ir por partes.
Para saber se era uma escritora tinha de definir um escritor.
O dicionário dizia:
escritor |ô| s. m. Autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo, à forma que emprega).
Naaaa.... nada disso!
Era demasiado simples para responder a uma questão existêncial.
Eu precisava de uma lista! (as listas são sempre bons organizadores de ideias)
Já não tenho a lista “original” mas lembro-me que o resultado foi algo assim: (não riam!)
O que os escritores fazem:
- pensam
- escrevem o que pensam
- sentam-se em cadeiras e escrevem
- sentam-se em sofás/poltronas e lêem
- terminam o que escrevem
- têm livros nas prateleiras das livrarias
- correspondem com editores e leitores
- distribuem autógrafos
O que os escritores são:
- inteligentes
- apaixonados
- obsessivos
- imaginativos
- observadores
- livres
- escêntricos
- originais
A julgar pela minha lista, eu era “quase” uma escritora. O hegocêntrismo de filha única preenchia quase todos os requesitos mas os meus livros não estavam nas prateleiras das livrarias e a única correspondência que tinha trocado com editores resumia-se a dois emails de rejeição.
E isso fazia de mim o quê? (para além de parvinha é claro)
Foi neste ponto que desisti.
Finalmente chegou um dia em que vi a questão pelo que realmente era: tudo tretas que não valem uma urtiga! Mas para chegar ao ponto C, passar pelo A e pelo B é a linha da aprendizagem.
Não se riam de mim. Na altura era o que tinha, a minha confiança de avestruz fez-me agarrar a esta lista por tempo demais e corar que nem um semáforo vermelho só de pensar em algum dia dizer em voz alta “sou uma escritora”.
Tenho a certeza de que não estava sozinha e que até hoje existem muitos outros Escritores Exploradores presos atrás da linha que supostamente destingue “verdadeiros” escritores do resto do mundo. Muitas palavras passaram pelos meus olhos desde essa altura, escritas por outros escritores com as mesmas questões e outras escritas por mim, e com elas veio o que realmente me faltava há cinco anos atrás: confiança.
Hoje os artigos urtigosos que me tentam convencer de que preciso cumprir os padrões que alguém define como “verdadeiro” escritor para se ser escritor, são todos urtigas para mim e devem-no ser para ti também se te estão a impedir de fazer, dizer ou escrever alguma coisa.
Porque no final, o dicionário estava certo e a resposta era simples.
Há sempre dias em que nos questionamos, em que voltamos a duvidar, e esses dias vão continuar a existir porque faz parte de ser escritor, de ser humano, e quando esses dias vêm eu puxo-me as orelhas, páro, faço-me olhar para tudo o que já fiz e depois escrevo posts como este.
O escritor é um livre artista da palavra. É a definição que escolho. E mesmo nos dias em que não me sinto artista, não faz com que o deixe de ser.
Manda para as urtigas esses urtigosos que tentam dizer-te o que és, como és, o que deves ser, como deves ser... porque se escreves, se fazes um bom trabalho, então és um escritor! E o escritor que és ou queres vir a ser só tu podes defini-lo.
Conta aqui que escritor és e mostra o que andas a escrever (são permitidos links para blogs, posts, sites e tudo o mais que consigas carregar nos comentários)
Vamos lá escrever? ...(o resto toda a gente já sabe!)
Liliana

Published on April 17, 2012 06:09
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