Ribeirão

as pessoas estavam reunidas dentro de casa, nasceu


o menino jesus


e tantos outros meninos que ninguém jamais saberá o nome


 


-vou brincar lá fora.


 


-está bem. – minha mãe disse distraída, ela voltava a ser filha na presença da minha vó e


me esquecia


 


ao mesmo tempo que isso machucava


 


me dava também uma certa liberdade


que eu gostava, apesar do medo


e de não saber muito bem o que fazer com o tempo sem a minha mãe comandando o navio das horas que me pertenciam, por direito, afinal


eu estava viva com o meu corpo no mundo, cada um tem o seu


pra cuidar.


 


cuidei do meu naquela tarde,


 


peguei a bicicleta que trouxemos de São Paulo.


a rua da minha vó era plana


e antes de começar a pedalar eu ia pra ponta


da rua


ficava olhando pra frente, fileiras de casas até onde a vista alcança.


dia 25 nasceu


tanta gente


por que então? só falar de um.


 


me sentei na bicicleta.


pedalei, era fácil


 


-só na rua da vó. – minha mãe dizia


 


a voz dela ecoando


dentro do meu peito que respirava sobe e desce querendo países inteiros


e todos os pássaros


e todos os parques


do beto carreiro, mas


quando chegava no fim da rua


solene eu


dava meia volta, começava tudo outra vez.


 


pedalei mais rápido


 


para pelo menos Ter alguma coisa, o vento no rosto, as casas passando


 


e no fim da rua eu virei tão brusco que acabei me derrubando no jardim da dona glória. caí na terra, o fofo da terra, demorei um tempo para me levantar. não era vergonha, não estava doendo


demorei porque de repente eu me dei conta


ali e com pouca idade que


aquela terra


num belo dia


será inevitavelmente o meu último lugar nesse mundo.

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Published on November 22, 2018 07:31
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Aline Bei's Blog

Aline Bei
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