Conexão

Ela agachou-se para apanhar as pedras transparentes e coloridas, raios de luz natural pareciam reflectir ali, muito embora estava uma noite escura, sem lua. Talvez a luz viesse das pedras. Os cabelos compridos, tão escuros quanto a noite, emaranhados e com pequenas flores brancas aprisionadas ao acaso, caíam que nem uma cascata negra sobre os ombros, quase roçando o chão fofo de erva selvagem. Limpou a terra dos cristais, soprou, cheirou e lambeu timidamente. Estavam frios e húmidos. Cheiravam a terra e a algo doce. Levantou-se e os joelhos nus estalaram. Estava mais frio, mas ela continuava a sair na noite cerrada, enfrentando o frio com o mesmo vestido de sempre, herança de uma mãe há muito perdida e, infelizmente, esquecida. Esquecida por ela, que tinha apenas 4 anos quando a grande velha a levara para outro mundo. A avó dissera-lhe nos anos seguintes, que a mãe, ou a sua alma na verdade, tinha sido colhida para cumprir um novo e maior objectivo : ser a nova rainha Lua. A menina perguntava-se a si mesma se também teria essa honra um dia, mais tarde, mas, entretanto, deixava-se perder numa admiração hipnotizante, ou até obcessiva, pelo planeta luminar e os seus ciclos.
Colocou as pedras na pequena bolsa, a qual roubara ao pai, presa à cintura esguia - demasiado esguia, resmungava a avó. Afastou os cabelos finos da cara e correu campo adentro, no meio das árvores. Fazia aquilo desde sempre, conhecia cada pedra no caminho e cada tronco atravessado. Sabia quando saltar ou quando se agachar. Reconhecia e cumprimentava em silêncio cada toca de coelho ou raposa. E paráva no mesmo local, sempre no mesmo local. Uma clareira circular com uma árvore de folhas brancas no centro, uma árvore antiga e desconhecida, pulsando uma magia só escutada por alguns. Esperou que a respiração ofegante abrandasse para voltar a um ritmo brando, centrado. O pai ensinara-lhe que o controlo da respiração estava ligado ao controlo das emoções e da própria vida e, assim, ela prestava a maior das atenções à forma como o ar entrava e saia de si antes de tomar alguma decisão ou de fazer algo importante. E isto era importante. Era ali que se reunia com a mãe. Sentindo uma grande linhagem de mulheres a a abraçarem nas noites de lua nova, e a dançarem nas de lua cheia. A mãe entre elas, com a sua coroa de lua.
Colocou as pedras perto de si e sentou-se no chão. O sangue deixava-o ali, na árvore, a cada ciclo, as oferendas variavam e o que levava era o pulsar da própria mãe Terra nos seus pés, nas suas mãos e no seu peito.
Published on January 02, 2019 12:13
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