Novas Oportunidades - Parte 1



            Suspirou e apanhou o cabelo comprido e fino num rabo de cavalo despreocupado. Estava desalinhado e desarrumado, devido à ventania da rua, todavia, não era algo que a preocupava muito naquele momento, nem nos últimos tempos. Havia uma pilha de roupa a lavar e outra para passar, almoços para a semana precisavam de ser adiantados, gatos a miarem com fome e um frigorífico cheio de fome. Desde que fora contratada numa empresa, para um trabalho ao qual não estava minimamente preparada, que a sua vida tinha ficado virada do avesso. Passaram três meses e ela ainda não apanhara o ritmo nem o tacto. Era caso para se dizer que tinha tido mais sorte do que conhecimento, contudo, dedicava-se da melhor forma que conseguia e o resultado era cansaço, má nutrição e uma casa de pantanas. Três meses dentro e já a empresa fora comprada, e os colegas e chefes não falavam de outra coisa há coisa de um mês, receando as mudanças que aí vinham. Sofia não se preocupava precisamente com as mudanças, pois todos os dias eram vividos com ansiedade e caos interior – o caos externo só ela, e os gatos, viam. A verdade é que até romantizava um pouco a coisa... Talvez o trabalho e tornasse mais fácil ou a nova equipa fosse mais prestável e a ajudasse mais. Ou, talvez, reflectiu, de testa franzida e enquanto colocava roupa na máquina, fossem mais inteligentes e notassem que ela não fazia ideia do que estava ali a fazer. Isso seria terrível. Precisava do dinheiro.            Alimentou os três gatos, herança do ex-namorado, e levou uma sandes e um pacote de batatas fritas para o sofá. Ligou a televisão, bebeu água e comeu com os pensamentos ainda no trabalho. Comeu mais uma sandes e empurrou tudo com água, sentindo um peso desconfortável no estômago. Provavelmente não deveria ter comido aquilo tudo tão tarde. Odiava aqueles dias em que ficava presa no trabalho, numa luta silenciosa com o programa de computador. Felizmente, a bem ou a mal, por vezes recorrendo aos colegas mais simpáticos, lá conseguia ter tudo preparado e entregue a horas. Mesmo que isso significasse chegar à meia noite a casa.             Um dos gatos, amarelo e o mais gordo dos três, o qual passara a ser só Garfield quando o namorado os deixara (ele teimava em chamar-lhe Ninja, embora a elegância jovial do gato tivesse desaparecido há muito), saltou para cima do seu colo numa de compensar as horas de solidão. Sofia relaxou automaticamente com aquele peso e ronronar e pediu, aos três, desculpa por andar tanto tempo fora de casa. Gostaria de poder ter um ritmo mais brando, talvez trabalhar a partir de casa, mas a realidade exigia, por ora, todo este caos e cansaço. Num diálogo entre humana e felinos, contou-lhes que na próxima semana teria um novo chefe e que iria arranjar coragem para lhe pedir para trabalhar em casa. Nem que fosse um dia ou dois.            A semana tanto esperada, chegou. No departamento onde trabalhava, viu as secretárias serem mudadas de sítio e os computadores ultrapassados trocados por novos, inclusive o seu. A sua secretaria, antes virada para uma estante de dossiers, tinha, agora, vista para quadros coloridos e elegantes, assim como uma iluminação mais suave e clara. Transmitia harmonia. Sofia estava precisamente a apreciar essa harmonia quando, da entrada, ouviu gargalhadas e conversas animadas. Um homem charmoso, elegante, de barba rente e sorriso perfeito falava alegremente com os que o acompanhavam, até que o grupo parou mais ou menos a meio da sala. Houve um momento de silêncio expectante e confiante, como se o homem confirmasse que todos estavam em silêncio e que ele tinha direito a esse silêncio. Acto continuo, sorriu. Sofia sentiu um nó no estômago e um peso no peito, ao mesmo tempo encantada e amedrontada. Acabou de engolir o queque de laranja, fizera uma dúzia a noite passada, e arrependeu-se de imediato, pois o homem vira o gesto pelo canto do olho e mirou-a, no mesmo segundo que começava a falar. Mastigou, com uma lentidão exagerada e de bochecha cheia, sentindo-se uma mera figurante, desinteressante e de aspecto um tanto ou nada ridículo. O homem era, como suspeitara, o novo dono da empresa, ou seja, o chefe, e de certa forma o dono, de todos eles.            A empresa, que trabalhava como apoio de edição e logística a outras empresas de comunicação, iria passar por uma transformação, explicava o novo director:            - De mero apoio vamos ser A – e frisara este “a” - empresa de comunicação. Vamos criar uma rede que vai unir vários pontos urgentes e crescentes na sociedade  e que se interligam. Meio ambiente, direitos humanos e dos animais, educação alternativa, saúde alternativa, projectos e ideias inovadoras... Para isso preciso de escritores, web designers, pensadores, filósofos, investigadores, programadores e visionários.            A velha equipa trocou olhares desesperados. Estavam habituados a trabalhar como ratos de biblioteca, sem ver muito a luz do dia, sem darem a cara, sem puxarem pela sua cabeça ou guardando as opiniões para si mesmos. Não tinham, sequer, estudado muito para trabalharem ali e ele queria que fossem tudo aquilo?            Como se lesse a pergunta nas suas mentes, continuou, sorrindo, numa voz calma e quase como se sossegasse um filho:            - Não precisam de ser génios ou de um curso. Apenas preciso que mostrem as vossas capacidades, incluindo a capacidade de desenrasque, e as vossas paixões. Para isso, vão ter um mês inteiro onde me vão provar que querem este trabalho. É muito simples. Durante esta semana, escolhem um tema, e podem pensar nisso em casa, podem pensar aqui, podem pedir opinião e ajuda à minha equipa... E, no Sábado, vou tirar o dia para estar 100% disponível para vos ouvir. Um a um, vão ter ao meu escritório para apresentar o vosso tema, - e aqui ergueu as mãos, como se varresse as preocupações que se formavam nas cabeças amedrontadas. – não precisa de ser uma apresentação elaborada, apenas quero escutar a ideia, e vejo se se adequa ou não.            Com isto, terminou com o obrigada e pediu à sua equipa para ficar e, termo usado por ele, “mingle around”. Deu meia volta para sair, mas parou, esquecendo-se de um pormenor:-       Ah, e este mês vai ser pago e todos vão receber o mesmo; e adianto já que é mais do que receberam antes.E saiu, sorrindo para Sofia ao passar por ela.
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Published on January 01, 2019 12:19
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