as auroras de nietzsche

mantenho um blog chamado lendo walden , que se concentra basicamente na obra de thoreau. alguns meses atrás, publiquei lá um post que reproduzo abaixo:

Outro tema comum a Thoreau e a Nietzsche é a aurora, como grande metáfora da vida em sua plenitude e renovação. O deslindamento é um pouco mais complicado, e na verdade poderia render até um bom artigo. Por ora fica aqui a vinheta.
 
As pistas partem do Rig Veda, leitura caríssima a ambos, com sua passagem do livro I, hino 113, variadamente traduzida como "Muitas auroras ainda estão por amanhecer", "Há muitas auroras que ainda não despontaram", "São muitas as auroras" e assim por diante.



Thoreau, como se sabe e já comentei em vários posts, toma a aurora como símbolo máximo da vida plena e desperta, com inúmeras passagens do começo ao fim de Walden. E a obra se encerra com três frases soberbas: Only that day dawns to which we are awake. There is more day to dawn. The sun is but a morning star. Destaco em particular There is more day to dawn - belíssima, e de difícil tradução (alguma hora farei um post sobre o denso parágrafo final).





Nietzsche, em sua obra Aurora,* traz em epígrafe justamente a frase do Rig Veda: "Há tantas Auroras que ainda não nasceram" (Es giebt so viele Morgenröthen, die noch nicht geleuchtet haben). 
Aliás, ele ia dar ao livro o título de A Aurora. Como achou que seria meio pretensioso demais anunciar "a" aurora, parecendo a definitiva, eliminou o artigo. 

imagens: wikicommons




lembrei-me deste post porque hoje encontrei uma coisa engraçada, ligada mais diretamente às bizarrices editoriais que costumo apresentar no nãogostodeplágio. e a história é a seguinte:

até onde sei, aurora é (ou era, até data recente, como se verá) uma das obras de nietzsche menos divulgadas entre nós. foi lançada em 1947 pela extinta editora sagitário, em tradução de mário d. ferreira santos, levou uma vida discreta e não teve nenhuma reedição. será apenas em 2008 que irá ressurgir, pela editora vozes.



aliás, achei até uma pena: pelo menos outra tradução de nietzsche, feita, anotada e comentada por mário ferreira santos, assim falava zaratustra, que citei aqui, continua em viçosa circulação, em inúmeras reedições ao longo dos anos, pela própria vozes. bom, que seja; continuemos. 

depois dessa edição da sagitário, terão de se passar quase sessenta anos para termos uma nova aurora entre nós, na tradução anotada de outro germanista e conhecedor de nietzsche, paulo césar de souza, para a companhia das letras (2004):

Livro: Aurora - Reflexões sobre os preconceitos morais

três anos depois, em 2007, a editora escala lança aurora em tradução de antônio carlos braga. não conheço suas qualificações germânico-filosóficas, mas não se pode dizer que seja uma edição anotada, pois suas notas são do gênero "Alexander Pope (1688-1744), poeta inglês (NT)" ou "Platão (427-347 a.C), filósofo grego; dentre suas obras, A república já foi publicada nesta coleção da Editora Escala (NT)". a tradução de antônio carlos braga está disponível para download em vários sites, por exemplo aqui



como disse acima, apenas em 2008 a vozes retomará a tradução de mário d. ferreira santos e lançará sua edição:



hoje, por mero acaso, encontro no site da amazon, aqui, uma aurora publicada em 2011 por uma editora chamada "centaur". não consegui localizar o isbn e nenhum dado sobre a editora. se for "centauro", é velha conhecida aqui no nãogostodeplágio, grande apreciadora de irregularidades editoriais, como documentei fartamente aqui. bom, seja como for, "centaur" ou "centauro", dei uma olhada no texto (sem crédito de tradução):

link aqui

bom, é a mesma de antônio carlos braga pela escala, idêntica, sem tirar nem pôr. não sei se a escala cedeu os direitos à "centaur", se é pura e simples contrafação da "centaur" ou o quê. o que sei é que parece brincadeira: de 1948 a 2003, nada; de 2004 a 2011, quatro auroras?! . [image error] em tempo: esses 55 anos de estiagem tiveram um pequeno alívio a partir de 1977, quando a rés de portugal lançou a tradução de aurora feita por rui magalhães, que teve razoável circulação entre nós.
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Published on November 19, 2011 17:50
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Denise Bottmann
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