‘Pi’, o fenômeno teatral


“Esse espetáculo é sobre nós. Criamos um mundo que não nos serve, algo precisa ser feito.”


É como a diretora Bia Lessa apresenta sua peça Pi – Panorâmica Insana, um fenômeno teatral, desses que aparecem a cada década, que lota um teatro em obras em São Paulo, antigo cinema da Vila Mariana, abre sessões extras e vê muita gente aflita voltando.


O que andava raro de se ver.


Uma espécie e catarse rola no final, em que palco e plateia são cobertos por uma lona preta que lembra um cogumelo atômico.


O pessimismo com o nosso futuro, espelhando-se no presente e passado, parece uma unanimidade.


A distopia proposta parece estar sobre todo nós: a Humanidade não deu certo.


O fim de mundo está próximo. Cuidado com a bala perdida! Olha os imigrantes naufragando no Mediterrâneo.


A desigualdade social (pirâmide da riqueza) só aumenta, acirra conflitos.


Guerra, mortes, doenças, loucura, perversão, lixo, desperdício, feminicídio, descrença, e onde está Deus, estão em debate numa dramaturgia fragmentada, de trechos de vários autores colados por Bia, como num patchwork.


Cláudia Abreu chega a interromper o espetáculo e, na pele de uma niilista ateia nietzschiana, indaga a plateia sobre o que é Deus e o que é o amor. Poucos ousam a se abrir.


Deus está morto? Onde ele está?


As estatísticas não negam: o mundo está à beira do colapso.


66 mil mulheres e meninas têm morte violenta por ano. Cinco mil delas, mortas por alguém da família.


¼ da Humanidade vive sem eletricidade. Dois milhões de crianças foram mortas em conflitos armados.


Um bilhão de toneladas de alimento é desperdiçado por ano.


Num cenário que lembra um lixão, Cláudia Abreu, Leandra Leal, Rodrigo Pandolgo e Luiz Henrique Nogueira, numa química incomum, que se conheceram numa novela global e bolaram a parceria, com textos de Júlia Spadaccini (indicada algumas vezes ao Prêmio Shell), Jô Bilac (outro sempre na lista do prêmio) e André Sant’Anna (genial escritor que não é dramaturgo), se somam a de Kafka e Paul Auster (Achei Que Meu Pai Fosse Deus), na peça que estreou maio, ficou dois meses em cartaz, encerra a temporada paulistana domingo dia 29/07, vai ao Rio, viaja e promete voltar ano que vem.


Nascimento e morte, iniciação sexual e degeneração, riqueza e miséria, saúde e doença, guerra e paz, amor e desamor, loucura e lógica… Os temas se sucedem, se atropelam. Negam-se.


É daqueles espetáculos que ficarão para sempre, como símbolos de uma época.


E será sempre referência.


É o teatro sobrevivendo no caos cultural.


Tem que ver.


 

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Published on July 27, 2018 06:19
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Marcelo Rubens Paiva
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