Eu e os críticos (e o livro no público)

Abro hoje uma excepção para falar da literatura cá de casa.Em Portugal não é considerado de bom tom dialogar com os críticos. Se, por um lado, entendo esse pudor, estou certo de que a vontade dos mais sérios é precisamente a oposta. Cfr o memorável diálogo Saramago - Zé Mário Silva, que só aconteceu porque Saramago rompeu com o tom.Escolho este momento depois da recensão de um dos mais entendidos críticos portugueses, o Miguel Real, que elejo, objectivamente, como a mais favorável de todas as que tive, porque veio de quem veio: o Miguel é professor de literatura e filosofia, romancista e ensaísta premiado, escreveu sobre Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço, José Saramago, Eça, sobre a história da nossa literatura e muito mais. Posto isto, foi com grande pudor e humildade que comecei a ler a crítica do Miguel Real ao meu livro "A manhã do mundo".Um homem não tem direito a esperar ser tão bem entendido como me entendeu o Miguel Real, muito menos tão cedo no caminho público trilhado. Aconteceu e a emoção que me tomou ao ler as palavras do Miguel foi indescritível. Ele, que estudou e escreveu sobre os maiores, dizer que eu trago novidade na forma como trabalho as personagens é, por si só, suficiente para que eu engula em seco e me cale. E engoli. Com um sorriso de gratidão nos lábios. Claro. Devia calar-me, mas tenho de dizer: o trabalho da escrita é de tal forma solitário que, cedo ou tarde, quando alguém nos vê à transparência em centenas dos milhares de decisões que tomámos em cada parágrafo, engole-se em seco. Fica para a vida.Com isto não enjeito o que aprendi com todos os que escreveram sobre o meu eu literário e sobre o livro que a D.Quixote me deu a honra de publicar. Só o facto de ser objecto de análise de quem quer que seja tem sido um privilégio para quem nada esperava. A Rita Bonet conseguiu, nos parcos caracteres que lhe disponibilizaram na grande revista "Os meus livros", tocar a essência do que escrevi e da forma como o fiz - um arrepio o título: "Oh blue bird, take me away" (uma música da Rita Redshoes, que está no livro). O Zé Mário Silva reconheceu no Expresso a eficácia que eu quis imprimir à narrariva e fez-me reflectir sobre as minhas fragilidades estilísticas e sobre o meu "pathos". Pegando nele, o João Bonifácio, no Ípsilon (suplemento do Público), trouxe-me um sorriso sincero, na menos favorável das críticas que tive, ao falar da minha "voz off sempre on" - afinal, eu sou mesmo assim - e a dar nota clara de que queria ainda mais corpo e história nas personagens que criei a partir de factos reais (e eu sabia o risco que corria ao tentar o simbolismo e ao ter de descarnar as personagens). Mas tive contributos preciosos de nomes menos sonantes, mas de muita ciência, que olharam para o que fiz de ângulos notáveis: destaco a forma como o professor Abel Dias Ferreira me trouxe uma tocante comparação com Gil Vicente, a de um excelente escritor e operário da literatura (trabalha para o milagre em que se tornou, neste país, o diário do Câmara Clara), Pedro Teixeira Neves, autor de um livro que merecia um olhar mais atento, "Uma visita a Bosch", a recomendação do João Céu e Silva no DN Artes e, mais tarde, numa curiosa abordagem na revista NS, e as emocionadas e emocionantes críticas de Márcia Balsas e do blogue "O prazer da leitura". A visceral de Artur Carvalho. A informada e atenta do Pedro Brás Marques. Não esqueço as apreciações primeiríssimas e tão importantes das queridas Sónia Alcaso e Elsa Bettencout e do Francisco José Viegas. E, claro, o elogio público nos lançamentos: Maria do Rosário Pedreira, Joaquim Letria e Professor Pinto da Costa. Foi também muito bom ouvir todos os que estiveram presentes na sessão de autógrafos na Feira do Livro do Porto. O livro integrou ainda o top 5 das escolhas de Maria do Rosário Pedreira no Atual, Expresso. Gostei também de integrar o cabaz de férias do exigente blogue "Alegre ou triste" e das entrevistas da Antena 1, do JL e do jornal "i". Last, but not the least, o melhor de todos os momentos: o que passei com o Joaquim Letria em Azeitão, numa conversa com gente boa e simples que, para mim, ficou como modelo do que quero para e da literatura e podia ter durado mais do que as duas horas e meia que durou. Há algo de que não abidco: do tempo - sei que só passaram três meses, e para três meses parece tudo um exagero. Mas para mim não são três meses, são trinta e cinco anos de literatura - na sombra, sem pressas, sempre a escrever. E, fora a aparição no Porto Canal com o excelente Tito Couto (nesta menção e numa entrevista posterior no programa), nem sequer andei pela televisão. O livro sim, brevemente, na TVI24, pela mão do Paulo Sérgio dos Santos, e no "Mais mulher", da Sic Mulher, pela mão da Maria João Lopo de Carvalho e da Ana Rita Clara. E tive a honra de ser escolhido pelo Diário Económico como uma dos nove novos portugueses ilustríssimos na literatura. Livreiros e leitores voluntariosos conseguiram levar o livro, logo no princípio de Junho, ao sexto lugar do top literário Bulhosa, mas nunca é tempo de parar de lutar: com optimismo e alegria, porque, se o mundo está difícil, morta a fome, nada é tão maravilhoso e necessário como a arte.E, na arte, esta nossa maravilhosa literatura.Obrigado a todos. Convosco ficarei sempre pequeno como sou, e no meu lugar, que é honrado mas de pouco espaço. Convosco sempre crescendo. E não, não são movimentos contrários. Nada é absoluto, excepto a humildade. PG-M 2011fonte da foto: Portugal Ilustrado
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Published on August 29, 2011 16:38
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