Aplausos para a Católica

É claro: a maior parte do que tenha a ver com o Verão e a sua indumentária é uma pequena tragédia. Um homem põe-se a pensar na economia, decide que vai voltar a dar uma oportunidade aos saldos, onde há dez anos não consegue comprar uma camisa, e arrepende-se logo na primeira loja em que entra. Aparentemente, nos primeiros dois dias houve belíssimas pechinchas: fantásticas camisas de 140 euros vendidas a 130 e gloriosos pares de calças de 160 praticamente oferecidos por 149,99. Ao fim de uma semana apenas, porém, é a desolação. Ainda Agosto vem longe e já está tudo com 60 por cento de desconto. Por outro lado, está também tudo remetido a uma prateleira sombria e mal arrumada, para assegurar que o pelintra em causa se dá conta da sua pelintrice – e, principalmente, o espólio resume-se a calças às riscas com pespontos em vermelho-vivo, camisas com bolas cor-de-laranja combinadas com quadrados roxos (perdão, "xadrez lilás") e, quanto ao resto, muito pólo, muito calção e um ou outro téni (não vale a pena telefonar, sr. revisor, é "téni" mesmo que eu quero dizer).
No fundo, e a partir do momento em que começam as promoções, já só há lugar a três tipos de homem em Lisboa: o engravatadinho da gestão de produto, o street-wearer do assalto à navalha e o betinho do sapato de vela e crocodilo ao peito. Tudo o resto fica confinado a zonas de fronteira, a limbos, a terras de ninguém – e, como se trata de franjas incaracterísticas, ocupadas por gente desprovida de carisma, os designers não encontram outra solução senão ocupá-las com roupa de brincar. Bem vista as coisas, não há camisa que não tenha uns números, uns dizeres, uns bonequinhos. Não há calças que não tenham uns botões nos sítios mais surpreendentes, uns quase-rasgões nas coxas, umas faixas que parecem cintos, presas às carcelas como se fossem cintos, com fivelas iguaizinhas às fivelas dos cintos, mas que na verdade não abrem nem fecham – são apenas para enfeitar. E não há t-shirt que não tenha uma marca gigante, a silhueta de uma planta de cannabis ou mesmo uma frase de andaime, apesar de tudo preferível a um lema de vida (a não ser nos casos em que os dois coincidem).
Se se trata de uma mulher, nenhum problema: procurando bem, há alternativas. Se for um gay, idem aspas: mais ou menos extravagante, há sempre alguma macaquice enquadrável no largo espectro de combinações que o género autoriza. Já um hetero tem dificuldades. No essencial, e para conseguir comprar duas camisas, um homem tem de sair de sair de casa no dia anterior, disposto a fazer fila à porta do centro comercial e deixando sobre a mesa da sala um bilhete dirigido à mulher e aos filhos: "Não sei quando volto. Se demorar, não se prendam. Contem a minha história." Ora, eu não tenho tempo para isso – e, se tivesse, não era a isso que o dedicava. Por outro lado, suponho que muitos outros não tenham tempo também, caso contrário não se encontrariam cada vez mais homens de Lisboa passeando na rua com jeans e chinelos, arranjo sobre todos os outros plausível a partir da roupa de brincadeirinha a que os famigerados saldos nos limitam.
Os chinelos. Se me perguntarem qual é, de todas as soluções de indumentária ao alcance de um ser humano, aquela que eu nunca usarei na rua, então cá vai: são os chinelos. Grandalhões ou disfarçadinhos, cor-de-laranja como havaianas ou pretos como os mais sofisticados sapatos italianos, combinados com bermudas às flores ou, o que é o pior de tudo, com calças de ganga – não há um par de chinelos que um homem possa usar na rua sem se transformar de imediato num parolo histérico. Perguntam-me: "Mas estás tonto, ou quê? E se estiverem quarenta graus, continuas a achar isso?" Sim, continuo: até sessenta graus, acho uma parolice histérica. Para mim, é muito simples. Um homem põe uns chinelos para sair à rua e logo deixa de ser um homem para passar a ser outra coisa qualquer: um adolescente em crise de género, um interno do Júlio de Matos em precária ou uma personagem dos Morangos Com Açúcar evadida da telinha. Por favor, não me obriguem a ver pés de homens. O último homem com pés bonitos de que me lembro era o Liedson – e mesmo esse tinha o preocupação de, ao sair para a rua, calçar uns pitons. As nossas escatologias são para exibir em casa.
CRÓNICA ("Muito Bons Somos Nós")
NS', 23 de Julho de 2011
(imagem: © www.psacores.org)


