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Love Affair

Pra quem ainda não sabe, eu moro no interior de Santa Catarina e, a casa onde moro fica no meio de um quintal muito grande, ao lado de um terreno baldio e perto do rio. Todos esses elementos combinados significam que tenho uma boa horta, um pomar com várias opções de frutas, muita sorte durante a quarentena e, claro, uma fauna doméstica superdiversificada.

Cosmopolita, meu *** (já conhecem o script, né? Troquem o *** pelo adjetivo que acharem melhor: namorado, companheiro, vítima, corpinho que me dá prazer, mais paciente dos mortais, etc) vive uma relação de amor e ódio com dita fauna, o que me dá muita coisa do que rir.

Já tivemos o hospital de abelha; a perseguição do lagarto; o “isso não é um camaleão!”; o impasse mexicano com o morcego (essa é história é ótima, um dia me animo a contá-la); o esconde-esconde com a lagartixa; a caça à perereca; o “Meu Deus! Um sapo!”; o jogo de mímica com a aranha armadeira, quando os dois se colocaram exatamente na mesma posição: peito estufado e patas dianteiras erguidas, exceto que a aranha estava pronta pra atacar, e ele procurava a rota de fuga mais próxima; e eu não sei nem por onde começar a explicar tudo o que aconteceu no dia que ele encontrou uma cobra perto da churrasqueira, não consegui nem batizar essa história ainda.

Tantos sustos o fizeram um homem mais forte e, confesso, há já muitos meses que eu não preciso expulsar nenhum bichinho inocente.
Estava pensando que isso era progresso até que aconteceu o episódio “Love Affair”, quando perdi meu quase-ex-gordinho para uma viúva negra.

Era de manhã, precisávamos sair e eu já estava ao lado do bettimóvel quando o vi parado, num canto entre a porta de saída para a garagem e o quintal. A teia nascia do chão, tinha poucos fios e, quase no centro, estava ela, a tal, com seu corpinho marrom, um marrom preguiçoso, gostoso, um marrom bem brasileiro, sabe?, e aquela barriguinha vermelha. Ele estava sentado sobre os próprios calcanhares, e olhava para a aranha como que estivesse encantado.

— O que foi?
— É uma viúva negra! — respondeu ele, apontando para a teia e com um sorriso besta na cara.
— Não tem viúva negra por aqui.
— Essa é marrom, mas é sim, uma viúva.

Ele tinha razão.
Fiquei ali um tempo olhando a aranha sem entender ele não estar gritando, ou fugindo, ou procurando um chinelo, mas não disse nada.

— Agora eu já vi tudo — disse ele.
— É só uma aranha! O que ela tem de tão especial?
— Não é só uma aranha! Essa é uma aranha tão, mas tão divina, que mesmo sabendo que vai morrer, o parceiro não resiste à cópula. É como a fêmea mais sedutora do reino animal, mulher fatal, a Mata Hari dos aracnídeos.
— Mata Hari?
— Sim... tão sedutora que, mesmo sabendo que não deve, o macho não consegue resistir aos seus encantos; mais sedutora ainda, porque, ao contrário dos militares seduzidos por Mata Hari, o aranho sabe que não vai sair vivo do encontro.

E este, senhoras e senhores, é um dos motivos por que eu gosto tanto de conversar com esse moço. A continuação da conversa, entretanto, é um dos motivos por que não entendo como ele me aguenta:

— Canibalismo sexual... quem é que faz isso? — ponderou ele.
— Gafanhotos, abelhas, dezenas de espécies de animais marinhos, e eu, se você não entrar no carro logo.
Ele me sorriu de um jeito mais sacana do que seria recomendado, mas entrou no carro. Já estávamos na rua quando eu perguntei:
— Ainda pensando na viúva negra?
— Ela mata o parceiro e o come! Será que não existe uma rebelde qualquer no grupo que tenha dito: “não, dessa vez eu vou fazer uma família”, será que nenhuma nunca se apaixonou?

Sim, ele é o romântico sonhador do casal, lamento macular-lhes um estereotipo...

Segurando a vontade de rir, respondi:
— Ela não mata o aranho, o bichinho morre de hemorragia. Ela só aproveita o tchezinho já morto para recuperar as energias depois do coito, porque, com tanta aranhinha passando fome na África, não se deve desperdiçar comida.

(Cêis acreditam que ele não riu da minha piada?)

— Hemorragia de quê?
— É que a viúva negra mexe os quadris tão freneticamente, que acaba arrancando o piupiuzinho do macho, e é assim que ele morre de tanto sangrar.
— Tá aí um jeito bom de morrer... que mulher!

Juro que eu fiquei até sem resposta.

Quando voltamos, a viúva não estava mais lá, haviam sobrado apenas os fios de sua teia, mas ele a procurou pelos cantos por um bom tempo.

Viúvo da viúva.

Tô com ciúmes. E agora?

😂😂😂😂😂😂

#vidadeescritor #MorroENãoVejoTudo #quemulher
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Published on September 01, 2020 13:14 Tags: bpellizer, vida-de-escritor