Só Ler Não Basta discussion

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The Handmaid’s Tale
Discussões de 2013
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A história de uma serva / The handmaid's Tale: Discussão dos capítulos 39 a 46
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Telma_Txr
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Oct 02, 2013 01:34PM

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Acabei o livro!
Nesta última parte assistimos a um crescendo na narrativa, na medida em que tudo se prepara para um eventual climax. Gostei bastante desta parte final onde o presente de Offred parece estar em perigo, devido às suas acções, e o seu futuro está em suspenso. E, no final, é isso que acontece: terminamos o livro com Offred em suspenso, sem saber para onde ela foi e o que lhe aconteceu. Será que, como ela diz no livro, encontrou a escuridão ou a luz? Ficaremos sempre na dúvida, só podemos imaginar.
Como conclusões finais, posso dizer que adorei a prosa de Atwood e o mundo que ela criou. Gostei da maneira como ela foi, aos poucos, inserindo pedaços da sociedade anterior à de Gilead para nós percebemos como se chegou ao estado actual. Gostei da voz de Offred que nos conta a história, de todas as referências simbólicas de alguns aspectos da história, de me fazer pensar na maneira como podemos ser manipulados sem quase darmos conta disso. Neste livro pode reflectir-se sobre o fanatismo religioso, sobre os regimes totalitários que ganham legitimidade perante um pressuposto falso de que assim estamos melhor que antes, sobre o conhecimento como fonte de poder, sobre a sexualidade vista como a fonte de todos os males (onde é que eu já vi isto?...).
Em suma: adorei este livro. Assim, vou-me tornando cada vez mais fã de Margaret Atwood.
Nesta última parte assistimos a um crescendo na narrativa, na medida em que tudo se prepara para um eventual climax. Gostei bastante desta parte final onde o presente de Offred parece estar em perigo, devido às suas acções, e o seu futuro está em suspenso. E, no final, é isso que acontece: terminamos o livro com Offred em suspenso, sem saber para onde ela foi e o que lhe aconteceu. Será que, como ela diz no livro, encontrou a escuridão ou a luz? Ficaremos sempre na dúvida, só podemos imaginar.
Como conclusões finais, posso dizer que adorei a prosa de Atwood e o mundo que ela criou. Gostei da maneira como ela foi, aos poucos, inserindo pedaços da sociedade anterior à de Gilead para nós percebemos como se chegou ao estado actual. Gostei da voz de Offred que nos conta a história, de todas as referências simbólicas de alguns aspectos da história, de me fazer pensar na maneira como podemos ser manipulados sem quase darmos conta disso. Neste livro pode reflectir-se sobre o fanatismo religioso, sobre os regimes totalitários que ganham legitimidade perante um pressuposto falso de que assim estamos melhor que antes, sobre o conhecimento como fonte de poder, sobre a sexualidade vista como a fonte de todos os males (onde é que eu já vi isto?...).
Em suma: adorei este livro. Assim, vou-me tornando cada vez mais fã de Margaret Atwood.

Uma coisa que eu achei particularmente bem conseguida foi o final ambíguo. A autora deixa muitas coisas em aberto, e coisas relevantes (a começar pelo futuro da protagonista), mas, mesmo assim, a impressão que fica é de que essa conclusão é a mais adequada. Ficam perguntas sem resposta sobre o passado e sobre o futuro, mas são postas de uma maneira que deixa o resto à imaginação do leitor. No fundo, a impressão que isto me transmita é que a ambiguidade de circunstâncias da Defred reflecte a mesma ambiguidade na sociedade global. Tudo aconteceu muito depressa... Será que pode voltar a acontecer?
Este equilíbrio entre história individual e história global acaba por estar em tudo. Acho que também é isso (para além da escrita fantástica e dos momentos poderosos) que torna a leitura tão cativante. É que o sistema é vasto e complexo e aborda inúmeras questões relevantes, mas é visto pelos olhos da protagonista, o que torna as coisas mais pessoais.
E depois gostava de pegar nesta citação das últimas páginas:
"Podemos chamar Eurídice do mundo dos mortos, mas não a podemos obrigar a responder"
Que acho que resume maravilhosamente a essência do livro. A história da Defred, no fim de contas, e a história que é construída para como essa história foi descoberta, acaba por ser um pouco isso. A narrativa da Defred é como uma voz vinda do passado - do passado dela - mas as respostas que ficam por dar não lhe podem ser arrancadas. Só imaginadas.
E é isto que me ocorre do meu primeiro contacto (mas não o último, definitivamente) com um livro da Margaret Atwood.
Adorei o capítulo final! O meu trabalho, ali tão bem explicado! xD
Livro impressionante, pesado e que me pareceu tão real, não só pelo discurso da personagem, que tal como disseram tornam algo pessoal e por isso mais fácil de empatizar, mas devido à subtileza (sim, um assassínio em massa do Congresso não é uma coisa subtil, mas como se chega aí e tão rapidamente se priva as pessoas da sua liberdade e com a sua conivência!) com que tal regime surge e se impõe, "para o bem maior". Como há tanta gente e tanto grupo que acredita em tal é assustador, como conseguem lavar a mente das pessoas para acreditar em tal é assustador. Mas o mais interessante é que apesar de nos ser mostrada um regime totalitário e que espero que jamais venha a acontecer, o passado também não é brilhante, há partes que não são desejáveis. Por diversas vezes fez-me recordar "Os Despojados - uma utopia ambígua", pois nenhuma das sociedades é ideal. É quase como qual das duas sociedades tem o mal menor?
Já disse que fiquei fã da escrita da autora? Passagens tão lindas! <3
Livro impressionante, pesado e que me pareceu tão real, não só pelo discurso da personagem, que tal como disseram tornam algo pessoal e por isso mais fácil de empatizar, mas devido à subtileza (sim, um assassínio em massa do Congresso não é uma coisa subtil, mas como se chega aí e tão rapidamente se priva as pessoas da sua liberdade e com a sua conivência!) com que tal regime surge e se impõe, "para o bem maior". Como há tanta gente e tanto grupo que acredita em tal é assustador, como conseguem lavar a mente das pessoas para acreditar em tal é assustador. Mas o mais interessante é que apesar de nos ser mostrada um regime totalitário e que espero que jamais venha a acontecer, o passado também não é brilhante, há partes que não são desejáveis. Por diversas vezes fez-me recordar "Os Despojados - uma utopia ambígua", pois nenhuma das sociedades é ideal. É quase como qual das duas sociedades tem o mal menor?
Já disse que fiquei fã da escrita da autora? Passagens tão lindas! <3

Se alguém tanto tempo depois tiver curiosidade e interesse aqui ficam as minhas impressões gerais sobre a obra. Ao contrário da maioria aqui, confesso que não fiquei fã incondicional. Apesar de levantar sem dúvida questionamentos bastante relevantes e na sua maioria ainda extremamente actuais (infelizmente!), não consegui comprar aquela sociedade como completamente plausível. Como já foi referido, o valor de uma distopia prende-se fortemente com o quão aquela sociedade apresentada se nos mostra tanto assustadora quanto realista, ou passível de acontecer. Aqui, ao contrário do 1984 e do Admirável Mundo Novo, não senti isso, ou senti apenas parcialmente, com muitas dúvidas e faltas de explicação a assolarem-me constantemente, que retiraram ou degradaram essa sensação de iminência inevitável que confere tanto poder de aterrorizar.
Uma das razões que levaram e isso penso que foi o regime ser muito recente. Nas distopias que referi os protagonistas são nascidos já fruto daquele regime, então não têm outro para comparação. A comparação é feita por nós analisando o seu manifesto, aquilo que é reprimido e considerado negativo e aquilo que é incentivado pelo poder. Aqui é aí que está baseado todo o pensamento da narradora, na contraste com o passado, então esperava um foco muito maior no "como foi possível passar de uma coisa para outra" e acho que as pistas, ainda que muito valiosas, para mim foram insuficientes. Não acho plausível um regime destes tornar-se tão estável em tão pouco tempo. Toda a gente parece já extremamente confortável (ok, confortável talvez seja uma péssima escolha de palavras, habituada, resignada, talvez?) nos seus respectivos papéis e naquilo que é suposto esperar-se dos outros e da sociedade em si. Não me recordo se é dito um valor do tempo que se passou desde a implementação da nova realidade, mas pelo crescimento da filha não podem ter sido mais de meia dúzia de anos, provavelmente menos até.
Outra questão é que imenso do regime fica por explicar. Eu compreendo que a história é narrada pela protagonista, para a qual a própria ignorância sobre tudo o que acontece é uma característica vital, mas mesmo assim incomodou-me. No fundo penso que a própria sociedade é tão relevante ou mais neste tipo de livros do que os próprios personagens, então tudo o que fica por esclarecer relativamente à sociedade do meu ponto de vista acaba por enfraquecer o livro e aquilo a que se propõe, pois isto não é apenas a história de Offred, a história dela é apenas um pretexto para contar a história de uma nação. É compreensível que Offred esteja na escuridão, mas então, dada a importância da sociedade em que vive para a sua história pessoal, seria no mínimo esperado que ela se questionasse e tentasse dar pistas de respostas, assim como o leitor. Quem controla o regime? Aquilo é um regime totalitário, que não beneficia realmente ninguém, todos têm inveja das poucas liberdades dos outros, quem dá a cara para Offred são sempre pessoas que estão hierarquicamente acima dela, mas que claramente são tão fantoches como ela. Para pessoas que tivessem já nascido nesta realidade, acho perfeitamente plausível que todos perpetuem o sistema apesar de sofrerem com o mesmo, pois não conhecem mais nada e acreditam ser o certo, o único existente e possível. No entanto, numa sociedade que funcionava numa realidade completamente diferente até há poucos anos atrás, as pessoas comuns só pactuam por medo, até tudo muito normal, mas e quem são os orquestradores e por que razão escolheram uma sociedade assim? Para mim isso não ficou claro. São fanáticos religiosos, ou pelo menos é essa a justificativa que vendem para fazer os outros segui-los. No entanto o poder que depôs o anterior regime e instituiu as novas regras, é claramente militar, as pessoas não os seguem por crença, mas sim por medo, eles lideram por repressão. Então esses fanáticos religiosos com um enorme poder militar sem resistência visível surgiram de onde? Quais são as suas reais crenças? Quais são os seus objectivos? Como é que eles se posicionam na nova ordem das coisas? São comandantes? Os comandantes não parecem ser muito poderosos a nível militar, mas sim mais intelectuais. São os olhos? Os olhos parecem ser mais espiões a cumprir ordens, não dá a sensação que sejam as cabeças da operação. Quem são então? Padres? Guardiões? É que toda a gente parece ser algo que não quer ser. Os homens novos são enviados para a guerra (pelo menos é o que é dito), outros guardam/patrulham as cidades e as residências e não têm qualquer real poder nem têm liberdade nenhuma. Onde estão os criadores deste regime? Manobram dos bastidores, sem nunca dar a cara? Mostram-se apenas às pessoas de classe social alta e por isso a Offred não tem noção? Que privilégios têm? A própria organização das famílias não ficou completamente clara para mim. Por um lado a divisão foi descrita como feita por quem tem um casamento válido aos olhos da Igreja e quem tinha a sua vida social de acordo com as novas regras da moral e dos bons costumes. No entanto, todos os comandantes são descritos como ricos e na sua maioria velhos, pois os jovens têm de passar primeiro pela guerra e por outros postos e estatutos até lhes ser atribuída uma mulher. As mulheres por seu lado são na sua maioria inférteis, daí a necessidade das servas. Como é que isso poder ser? Calhou de quase todas as que pessoas defendem a moral e os bons costumes serem velhas e inférteis e os jovens pecadores e férteis? Em momento nenhum do passado é referido que a taxa de natalidade é assustadoramente baixa nem que a taxa de sobrevivência de um bebé é minúscula, como é descrito pelas tias. Mesmo não usando alguma tecnologia que possa ter sido deixada de lado e que pudesse pesar a favor da saúde e bem estar da criança e da mãe, não é de esperar que a taxa de natalidade tenha descido vertiginosamente e repentinamente, no entanto, parece essa ser uma das bases em que o regime se apoia, pregando resolver, quando o problema nem sequer é referido como sendo real. No entanto, ela ao ouvir estas estatísticas nunca as questiona nem menciona que sejam manipulação do sistema. Fiquei sem saber se era verdade ou não. Se era, como suponho que sim, pois de contrário as esposas eventualmente engravidariam, e realmente alguém estava supostamente de "boa fé" a tentar resolver o assunto com um "regresso à natureza", qual é a lógica de apenas quando chegam a velhos os homens se poderem reproduzir? Não faz sentido absolutamente nenhum a nível de propagação da espécie, principalmente num momento ou sociedade em que a baixa natalidade é vista como um problema muito sério. A ideia é que elas pequem para as poderem castigar? É que é isso que parece, pois elas são ostracizadas se não reproduzem, mas dão-lhes as piores condições possíveis para o fazer à partida, quase parece que querem que elas falhem... Enfim, já me estendi demais, mas como disse, para mim houve muito que ficou por explicar. E não no bom sentido, como foi o caso do final em aberto, que geralmente não gosto, mas que penso que aqui acabou por funcionar até bastante bem.
Para não falar só das questões negativas, houve também imensos pontos que considerei muito interessantes. Um deles foi a exploração da capacidade de adaptação do ser humano, de quão volátil é a nossa memória, o poder e fraqueza do eu e do pensamento e identidade individuais, e da máxima de que só damos real valor aquilo que perdemos. Outra foi a forma como o medo das pessoas foi explorado como forma de as levar a pactuar com as mudanças de forma pacífica, como o dinheiro no banco e o emprego constituíram pontos fulcrais para impedir a revolta, e como não é possível implementar nada completamente alheio, no fundo estes regimes tornam realidade e implementam na prática o extremo mais radical das ideias e preconceitos que grande parte da população já defende à partida. Ah, e concordo plenamente sobre que é uma leitura bem mais fluída que as restantes distopias clássicas que li.
Em suma, foi uma leitura valiosa mas esperava ficar mais fascinada com a sociedade descrita. Esperava algo na linha do 1984 e do Admirável Mundo Novo, mas com uma refrescante perspectiva mais feminina que é algo que falha redondamente nos clássicos, geralmente com autores e protagonistas masculinos. No entanto, apesar de esse foco no feminino estar lá, achei a qualidade da sociedade apresentada abaixo do esperado, o nível de plausibilidade do mesmo não me impressionou tanto como gostaria e contava considerando os elogios que li à obra. Talvez o problema até esteja comigo, talvez eu não tenha compreendido certas coisas que possam ter ficado apenas subentendidas nas entrelinhas, mas realmente reconheço muitos pontos notáveis à obra, mas no geral não impressionou sem reservas.
Su wrote: "Ora praticamente 3 anos depois, li finalmente o livro e estive a ouvir a discussão do SLNB sobre a obra :) com 3 anos de atraso, os meus parabéns pelo vídeo! Discussão muito interessante que me mos..."
Su, quero apenas dizer que li a tua opinião na altura em que a publicaste mas só agora tenho a oportunidade de te responder. O que me recordou que te devia uma resposta foi um vídeo que um amigo meu colocou no facebook e que vai de encontro à tua dúvida ou descrença de um regime tão recente e, por isso, ser pouco plausível tornar-se tão estável em tão pouco tempo. É o caso da revolução iraniana em 1979 que em poucos dias impôs o Hijab às mulheres e que lhes retirou variadíssimos direitos: https://www.facebook.com/inthenow/vid...
Ao contrário de ti não gostei nada de 1984 (ainda não li o Admirável Mundo Novo) mas, gostos pessoais à parte, há sempre um conjunto de ideias "e se?" que se baseiam em situações reais e que são depois reciclados para construir estas histórias.
Su, quero apenas dizer que li a tua opinião na altura em que a publicaste mas só agora tenho a oportunidade de te responder. O que me recordou que te devia uma resposta foi um vídeo que um amigo meu colocou no facebook e que vai de encontro à tua dúvida ou descrença de um regime tão recente e, por isso, ser pouco plausível tornar-se tão estável em tão pouco tempo. É o caso da revolução iraniana em 1979 que em poucos dias impôs o Hijab às mulheres e que lhes retirou variadíssimos direitos: https://www.facebook.com/inthenow/vid...
Ao contrário de ti não gostei nada de 1984 (ainda não li o Admirável Mundo Novo) mas, gostos pessoais à parte, há sempre um conjunto de ideias "e se?" que se baseiam em situações reais e que são depois reciclados para construir estas histórias.

Obrigada pela resposta, Telma. Por acaso também pensei na situação do Irão ao ler este livro porque tinha tomado conhecimento dela muito recentemente através da leitura do livro Persépolis (o qual aliás recomendo vivamente, achei mesmo muito interessante e lê-se num ápice porque é banda desenhada), recomendado pelo grupo da Emma Watson "Our Shared Shelf". Sendo verdadeiramente impressionante a rapidez com que se revogam os direitos das pessoas e se perseguem certos grupos, eu infelizmente concordo que não estamos nunca livres de isso acontecer. Basta pensar no Holocausto. Fui recentemente visitar Amesterdão e é impressionante como os judeus viviam as suas vidas com as mesmas liberdades que qualquer outra pessoa até ao momento em que cidade foi invadida pelos nazis e estes instituíram uma série de regras que estes eram obrigados a seguir, indo a situação de mal a pior como sabemos que aconteceu.
O que me incomodou principalmente aqui no livro foi mais eu não perceber quem era beneficiado por aquele regime e o tinha instituído. Em ambos os exemplos reais que mencionei acima, o do Irão e o do Holocausto, temos um líder que dá a cara e tem acesso a um poder militar que apoia a sua ideologia (ou pelo menos segue as ordens do líder que tem essa ideologia). Há também um grande descontentamento social e instabilidade política que permitiram a estas pessoas ascender ao poder e propagar o seu discurso, incorporando-o então na lei. No caso do The Handmaid's Tale não parece haver uma instabilidade social fora do comum, nem um tendência da generalidade da população de já possuir antes da implementação do regime fortes noções de descriminar um grupo específico em prol de outro. Eu compreenderia perfeitamente que houvesse um retrocesso rápido se as pessoas que perdem os direitos fossem essencialmente as mulheres e os homens ganhassem com isso liberdades adicionais. Acho plausível um regime de grande desigualdade quando há um grupo que é rebaixado para que outro possa dominar. É o caso da escravatura, do machismo, da defesa da hegemonia da raça ariana, etc. No entanto aqui não me parece ser esse o caso. As mulheres estão pior que os homens, sem dúvida, mas no geral toda a gente está pior do que estava antes! Aquela conversa de que as pessoas que antes não arranjavam companhia agora não precisavam de se esforçar e toda a gente tinha um par, aquilo não me parece que convença realmente ninguém! Haverá sempre um ou outro fanático (como ela refere as handmaids que seriam as true believers, mas onde está (ou estão) o(s) líder(es) que puxa os cordelinhos e orquestrou tudo? Onde está o grupo que lucra com as perdas de liberdade dos outros e por isso perpetua e pactua com o sistema? Depois de terminar o livro, eu não faço ideia, não sei responder a essa questão e daí a minha sensação de que a autora deixou questões relevantes por explicar. Pode ser implicância pessoal minha, mas realmente não me convence o facto de uma população inteira promover um regime em que aparentemente não há nenhum grupo que esteja melhor do que estava antes. As esposas, que da ala feminina são as hierarquicamente mais elevadas, são umas infelizes em casamentos de fachada, respondem perante o marido e são superiores às Aias das quais têm inveja. Mas a verdade é que os homens não estão muito melhor. Obrigados a ir para a guerra, casar por escolha da sociedade, proibidos de ter relações fora do casamento, de contactar, falar, olhar para mulheres fora das suas obrigações profissionais, de demonstrar comportamento homossexual, de ter acesso a informação não censurada, obrigados a ter relações sexuais dentro do casamento como dever e nunca por prazer, e por aí vamos. Consigo ver estes homens a perpetuar um regime assim em que tenham nascido, não os consigo ver a fazer uma revolução para mudar da anterior sociedade para esta. No entanto, não nos é mostrada no livro mais nenhuma entidade, grupo social ou semelhante que esteja hierarquicamente acima dos Comandantes. Claramente o regime tem fundamentos religiosos, mas nunca aparece um líder religioso ou qualquer indicação de que há uma entidade religiosa perante a qual todos respondem, incluindo os polícias, militares, comandantes, etc.
De qualquer forma, percebo perfeitamente que as pessoas a quem estas questões não incomodaram tenham realmente apreciado imenso o livro. Eu achei que o 1984 tem uma componente distópica mais forte, pois ao lê-lo a sensação que tive foi de eu própria estar num labirinto sem saída! A sufocar aos poucos, pois sempre que pensamos que há uma luz no fundo do túnel ou um cantinho a que o Big Brother não consegue chegar, as nossas esperanças são completamente esmagadas a seguir. No fundo, acho que temos aquela noção que procuramos como reconfortante em situações de profunda adversidade de que podem-nos tirar todas as liberdades menos a do pensamento. Podem prender-nos numa jaula mas não prender no nosso espírito. E o 1984 prova, sem nós conseguirmos ser capazes de o refutar, que é possível chegar ao fundo do poço em que um regime seria capaz de nos roubar TODAS as liberdades. Sem excepção, ao ponto de nos roubar a "identidade". Considerei tão assustador que não fui capaz de não reconhecer a habilidade do autor como genial. No entanto, foi um livro que me custou imenso a ler. A nível de fluidez, de empatia com os personagens, de imersão na narrativa, gostei muito mais deste, de longe!