Como se fosse um monstro

by Fabiane Guimarães

— É seu primeiro bebê? — perguntou uma jovem, ao se esbarrarem no corredor rumo ao banheiro. — Não, é o quinto — Damiana respondeu. — Nossa! E como você conseguiu? Acho que depois dessa eu vou fechar a fábrica. Damiana ficou pensando naquela expressão. Fechar a fábrica. Mais tarde, enquanto esperava o médico plantonista que lhe daria alta, gargalhou. A jovem mãe não fazia ideia.

— Sabia que tem uns passarinhos aqui na roça que deixam ovo no ninho dos outros? Vão lá, botam o ovo, pegam voo, somem no mundo. Deixam os outros passarinhos chocarem por eles. Isso acontece demais. Não faz diferença para os filhotinhos. Nem para os que ficam no ninho chocando. Gabriela não estava entendendo aonde ela queria chegar, então deixou que continuasse o raciocínio. — A melhor coisa foi essas crianças não terem me conhecido — concluiu, então. — Eu não podia dar o que elas precisavam. Não ia ter como dar amor, porque nunca tive muito. Vida boa também não ia ter. Com certeza cresceram bem, tiveram estudo, viraram gente direita. Eu nunca vou saber, mas fico feliz porque foram para famílias que queriam elas. É isso que importa, fia. Alguém te querer e cuidar de você. Alguém te querer e cuidar de você. Gabriela respirou fundo, sentindo algumas lágrimas involuntárias escorrerem. Damiana percebeu e segurou sua mão. Estava tudo bem não querer cuidar de alguém, era o que ela parecia lhe dizer. Sempre haveria um passarinho para chocar os ovos alheios. O amor era questão de vontade.

— Existe um desequilíbrio no mundo — justificou, tirando os óculos para limpar a lente na camisa. — Pobre tem filho porque não tem informação. Rico tem informação, mas espera demais. Quem sofre, nesse processo, são essas crianças que alimentam a desigualdade do país. Vocês preferiam que eu deixasse aqueles bebês passando fome? Eles estão bem. Um dia ainda vão me agradecer.