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Tornou a sentir o sentimento de indignidade que frequentemente o atormentava em sua presença e a detestar seu espírito de sacrifício, sua severidade, sua vocação para a pobreza e sua inabalável castidade, que ele percebia como crítica à sua natureza egoísta, sensual e ansiosa de poder.
Reinava o mais completo silêncio, e, por um instante, imaginou que estivesse vivendo um sonho de sonâmbulo, em que caminhava e caminhava sem avançar, sempre no mesmo lugar encantado, onde o tempo havia parado e cujas árvores, que pareciam estar
Foi necessário quase um minuto para que o elegante conde francês abandonasse o estado de sonho em que o haviam mergulhado a visão dos amantes, a placidez da noite, a lua e o silêncio do campo, e se desse conta de que a situação era mais grave do que havia imaginado. Na atitude daqueles corpos, reconheceu o abandono próprio dos que se conhecem há muito tempo.
Tinha a ternura rude de quem nunca foi amado e precisa improvisar. Amanda fechou os olhos e sorriu. Estiveram assim, respirando juntos em completa calma, como dois irmãos, até que começou a clarear, e a luz da janela foi mais forte do que a da lâmpada. Então Jaime ajudou-a a se levantar, vestindo-lhe o casaco, e levou-a pelo braço até a sala de espera, onde Nicolás dormia numa cadeira.
Conhecia o prazer como uma última e preciosa etapa no longo caminho percorrido com Pedro Terceiro, por onde havia passado sem pressa e com bom humor, em meio aos bosques, aos trigais, junto do rio, sob um céu imenso, no silêncio do campo. Não sofrera as inquietações próprias da adolescência. Enquanto suas companheiras de colégio liam às escondidas os romances proibidos, com seus imaginários galãs apaixonados e virgens ansiosas por deixarem de o ser, ela se sentava à sombra das cerejeiras no pátio das freiras, fechava os olhos e evocava com absoluta precisão a magnífica realidade de Pedro
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Vislumbrou também o sinistro poder do nativo, a dissimulada ironia dos empregados e sentiu-se prisioneira na antessala do inferno. Naquele momento, a menina mexeu-se em seu interior, e ela estremeceu, como se alguém houvesse tocado uma campainha de alarme.
Ao longo dos anos, Alba foi enchendo essa e as demais paredes de seu quarto com um imenso afresco, no qual, em meio a uma flora venusiana e uma impossível fauna inventada, como a que Rosa bordava em sua toalha e Blanca queimava em seu forno de cerâmica, apareciam os desejos, as recordações, as tristezas e as alegrias de sua infância.
Assim eram suas conversas com Clara. Por isso, para Alba, a pessoa mais importante da casa e a presença mais forte de sua vida era a sua avó. Ela era o motor que punha em marcha e fazia funcionar aquele universo mágico que era a parte dos fundos do casarão da esquina, onde havia passado seus primeiros sete anos em completa liberdade. Habituou-se às excentricidades da avó. Não a surpreendia vê-la deslocar-se em estado de transe por todo o salão, sentada em sua poltrona, com as pernas encolhidas, arrastada por uma força invisível.
pois ambas sabiam, por experiência própria, que a única coisa que cura a asma é o abraço prolongado de um ser querido.
Alba, que vivera até então sem ouvir falar a respeito de pecados nem de modos de senhorita, desconhecendo o limite entre o humano e o divino, o possível e o impossível, vendo um tio passar despido pelos corredores em saltos de caratê e outro soterrado em uma montanha de livros, seu avô quebrando a bengaladas os telefones e os vasos do terraço, sua mãe escapando com sua maleta de palhaço e sua avó movendo a mesa de três pés e tocando Chopin sem abrir o piano, a rotina do colégio pareceu insuportável. As aulas entediavam-na.
Algumas vezes quase sucumbiu à tentação de pegar sua maleta de palhaço e o que restava das joias da meia de lã, e ir com sua filha viver com ele, mas sempre se acovardava. Talvez temesse que aquele grandioso amor, que a tantas provações resistira, não sobrevivesse à mais terrível de todas: a convivência.
Fecharam-se com tapumes os bairros pobres, ocultando-os dos olhos dos turistas e dos que não queriam ver. Numa noite surgiram nas avenidas, como que por encanto, jardins tratados e cobertos de flores, plantados pelos desempregados para criar a fantasia de uma primavera pacífica.
Faziam amor com desespero, inventando novas fórmulas proibidas que o medo e a paixão transformavam em alucinadas viagens às estrelas. Blanca já se conformara com a castidade, a idade e seus variados achaques, mas o sobressalto do amor deu-lhe uma nova juventude. Acentuaram-se a luz de sua pele, o ritmo de seu andar e a cadência de sua voz. Sorria para dentro e andava como que adormecida. Nunca tinha sido tão bela. Até seu pai se deu conta disso, atribuindo-o à paz da abundância. “Depois que Blanca não precisou mais entrar em fila, parece mais nova”, dizia o senador Trueba. Alba também
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Alba, que, mil vezes, o imaginara preso ou morto de alguma maneira horrível, chorava de alegria, saboreando seu cheiro, sua textura, sua voz, seu calor, o afagar de suas mãos calejadas pelo uso das armas e o hábito de desafiar, rezando e amaldiçoando, e beijando-o e odiando-o por tanto sofrimento acumulado e desejando morrer ali mesmo, para não voltar a sofrer sua ausência.
tão depressa que não conseguimos ver a relação entre os acontecimentos, não podemos medir a consequência dos atos, acreditamos na ficção do tempo, no presente, no passado e no futuro, mas também pode ser que tudo aconteça simultaneamente,