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Sempre amamos sozinhos, pois cada um ama a seu próprio modo, cada um ama com sua história, com seu sintoma, com suas perebas psíquicas, com seus perrengues transgeracionais. No amor a gente sempre comparece com a gente mesmo.
Na vida humana é diferente. Há uma desnaturalização que nos é própria, efeito do fato de sermos seres de linguagem.
Trata-se de uma fantasia amorosa bastante comum, a de que encontrar nosso grande amor nos livraria de nós mesmos. Assim, não conseguimos parar de olhar para o que nos falta, para o nosso próprio umbigo – e, em contrapartida, não podemos olhar para o mundo, hipnotizados por nós mesmos e tentando buscar no outro algo que diga respeito a nós.
Somos seres faltantes e isso não é um problema. Aliás, está mais ao lado da solução poder fazer parceria com essa condição, inclusive porque livra o outro de ocupar um lugar daquele que nos salvará, o que certamente cai como um peso.
Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, “tempo é dinheiro”. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do
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Mas a angústia vem do fato de que se sabe mesmo que vai morrer, mas não se morre. Trata-se de um nível de lucidez absurdo, terrível, que impossibilita a vida. É preciso que não sejamos tão lúcidos para que possamos aproveitar a vida.
Uma vez que o apaixonado é alguém que está de certo modo enlouquecido, não querendo saber da realidade, a paixão não dura tanto tempo assim. Não temos energia o suficiente para viver apaixonados, porque a paixão nos exaure, mina as nossas forças, nos leva do céu ao inferno, ao céu de novo, ao inferno mais uma vez, e é sempre assim, já que a paixão não tem nenhuma simpatia pelos caminhos do meio… E, puxa, isso é cansativo! O céu e o inferno parecem longe demais um do outro, quando, na verdade, são logicamente o mesmo lugar: o dos exageros.
Vemos que o problema não é, então, ficarmos verdadeiramente sozinhos, mas a dificuldade que muitas vezes pode vir de sermos acompanhados de nós mesmos. Em seu clássico livro Escrever, Marguerite Duras escreve assim:24 “A solidão não se encontra, se faz. A solidão se faz sozinha. Eu a fiz. Porque decidi que era ali que deveria estar sozinha, que ficaria sozinha para escrever livros”. É interessante pensar nessa perspectiva da solidão não como uma condição passiva, em que se é deixado pelo outro, como se não pudéssemos fazer nada diante disso, como se fôssemos mero objeto. “Fazer” a solidão é se
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A questão é que parece que estamos sempre tentando prolongar algo em demasia e, com isso, acabamos justamente com a própria vida, uma vez que as coisas vivas encontram seu limite no fim.

