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Chamar a leitura de prazer é, sem dúvida, subestimá-la. Para mim, a leitura é a fonte de todo o prazer, que influencia toda a experiência, tornando-a de alguma forma mais suportável, mais razoável.
“Existem aqueles que, enquanto leem um livro, recordam, comparam, trazem à tona emoções de outras leituras anteriores”, observou o escritor argentino Ezequiel Martínez Estrada. “Trata-se de uma das formas mais delicadas de adultério.”
Mas não são apenas os governos totalitários que temem a leitura. Os leitores são maltratados em pátios de escolas e em vestiários tanto quanto nas repartições do governo e nas prisões. Em quase toda parte, a comunidade dos leitores tem uma reputação ambígua que advém de sua autoridade adquirida e de seu poder percebido. Algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente, talvez porque a imagem de um indivíduo enroscado num canto, aparentemente esquecido dos grunhidos do mundo, sugerisse privacidade
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Borges disse-me certa vez que, durante uma das manifestações populistas organizadas pelo governo de Perón em 1950 contra os intelectuais da oposição, os manifestantes gritavam: “Sapatos sim, livros não”.
Os regimes populares exigem que esqueçamos, e portanto classificam os livros como luxos supérfluos; os regimes totalitários exigem que não pensemos, e portanto proíbem, ameaçam e censuram; ambos, de um modo geral, exigem que nos tornemos estúpidos e que aceitemos nossa degradação docilmente, e portanto estimulam o consumo de mingau. Nessas circunstâncias, os leitores não podem deixar de ser subversivos.
Em todas as sociedades letradas, aprender a ler tem algo de iniciação, de passagem ritualizada para fora de um estado de dependência e comunicação rudimentar.
Em 1904, Kafka escreveu a seu amigo Oskar Pollak: “No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo? Para que nos faça feliz, como diz você? Meu Deus, seríamos felizes da mesma forma se não tivéssemos livros. Livros que nos façam felizes, em caso de necessidade, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Precisamos é de livros que nos atinjam como o pior dos infortúnios, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, que nos façam sentir
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