Eu que nunca conheci os homens

by Jacqueline Harpman

Afinal de contas, se eu era um ser humano, minha história era tão importante quanto as do rei Lear ou do príncipe Hamlet, que o tal William Shakespeare tinha se dado ao trabalho de contar em detalhes.

Esmiucei minhas lembranças nesses últimos tempos e tive a impressão de vê-las se balançando e gemendo, elas choravam, nenhuma delas olhava para mim, que tremia de terror e as odiava. Isso me pareceu injusto e então percebi que, sozinha e assustada, a fúria era meu único recurso contra o horror.

Era a primeira vez que eu as escutava com atenção e fiquei surpresa com a abundância da fala delas, a paixão com que repetiam dez vezes a mesma coisa de outro jeito para não perceberem que não tinham, no fim das contas, absolutamente nada a dizer umas às outras há séculos, mas um ser humano precisa falar, senão ele perde sua humanidade, eu entendi isso nos últimos anos.

Para que é que nós servíamos aqui? Fiquei espantada com meus pensamentos. De repente, o segredo que me era negado e o que eu não queria contar me pareceram de pouco valor ao lado daquele que os vigias detinham: o que nós estávamos fazendo aqui, por que nos mantinham vivas?

Não, mas eu vou saber o que você acha, você vai saber o que eu acho, de repente isso nos dá alguma ideia nova, e aí nós vamos sentir que estamos nos comportando como seres humanos, e não como autômatos repetitivos.

e a única coisa que temos certeza é que eles querem que a gente não saiba de nada.

As mesmas perguntas, feitas do mesmo jeito durante anos, se desgastam por conta própria.

Não havia nada que fizesse elas levantarem os olhos, então andavam encurvadas. As últimas paixões tinham se dissipado, os cabelos estavam branqueando e o desejo de viver parecia abandonar os corações. Tínhamos sobrevivido à prisão, à planície, à perda de todas as expectativas: as mulheres estavam descobrindo que sobreviver não passa de adiar o momento de morrer.

Era só no momento da morte que elas confessavam seu desespero e corriam rápido em direção às grandes portas escuras que eu abria para elas, deixando, sem nem olhar para trás, a planície estéril onde suas vidas tinham se perdido, correndo em direção a um outro lugar que talvez não existisse, mas elas preferiam o nada à inútil sucessão dos dias vazios, e eu sei que, naquele momento, elas me amavam.