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quanto mais limitado é o campo de interesse de uma pessoa, mais próxima ela está do infinito;
e ainda assim esse jogo consegue, dentro de um quadrado limitado e inalterável, criar mestres incomparáveis, pessoas com um talento direcionado só para o xadrez, gênios específicos, nos quais visão, paciência e técnica são igual e exatamente distribuídas, como no caso de um matemático, um poeta, um músico, mas apenas numa outra disposição e combinação.
uma pessoa em busca de triunfos na vida num mero vaivém, em movimentos para a frente e para trás de trinta e duas peças, para quem, no caso de uma nova abertura, avançar o cavalo em vez do peão significa uma proeza e a obtenção de um mísero pedaço de imortalidade numa nota de rodapé de algum livro técnico
vivia como um mergulhador numa redoma no oceano negro desse silêncio, um mergulhador desconfiado de que o cabo que o liga ao mundo exterior estivesse rompido e de que ele jamais seria resgatado dessa profundidade silenciosa.
ninguém pode descrever, medir, ilustrar, nem para si mesmo, quanto dura um tempo quando não há espaço nem tempo;
o xadrez possui uma qualidade fantástica: ao concentrar a energia intelectual num campo estreitamente limitado, mesmo no caso do esforço mental mais fatigante ele não esgota o cérebro; antes, aguça sua agilidade e seu vigor.
inconscientemente, aperfeiçoei no tabuleiro minha defesa contra falsas ameaças e truques disfarçados.
o atrativo do xadrez baseia-se unicamente no fato de que sua estratégia se desenvolve em dois cérebros distintos,
Tal pensamento duplo pressupõe na verdade uma completa divisão da consciência,
no xadrez, portanto, querer jogar contra si mesmo é como querer pular sobre a própria sombra.
a realidade do tabuleiro permite certo distanciamento, uma extraterritorialidade material.
Essa atividade só fora tão saudável e tranquilizadora para meus nervos abalados porque na repetição de partidas alheias não era eu que jogava; para mim era indiferente se as pretas ou as brancas vencessem; afinal, eram Alekhine ou Bogoliubov que lutavam pelo título de campeão, e minha pessoa, minha razão, minha alma aproveitavam apenas como espectadoras, como especialistas, as peripécias e as belezas de cada partida.
a ambição de ganhar, de vencer, de vencer a mim mesmo, tornou-se aos poucos uma espécie de cólera;
Xadrez: imaginar, relembrar e enxergar saídas de um jogo e um mundo polarizados
Esse texto é um legado de seu autor ao mundo que insiste em se repetir.
Mesmo sem resposta, a pergunta evidencia a permeabilidade dessa narrativa imbuída de elementos pessoais e objetivos da realidade vivida ou conhecida pelo autor no período da escrita.
A novela ilustra, assim, a violência da guerra, o fenômeno da polarização, da sede de destruição do outro, que pode levar inclusive à autodestruição.
No caso de B., o xadrez surge como atividade criadora, possibilitando-lhe encenar no espaço imaginário aquilo que não lhe é permitido no real: movimentar-se quando está confinado, atacar e defender-se quando o sentimento e a condição de impotência lhe são impostos.
Assim, o torturado dá vazão a uma violência que se volta contra ele mesmo na circunstância da cela, com palavras duras e xingamentos alucinados,
São cortes profundos, talvez um reflexo da condição “mutilada” do exilado.
A ambiguidade das duas personagens e seu deslocamento reativo podem ser lidos como um importante alerta da novela para um aspecto da condição humana e da própria narrativa histórica.