Véspera
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Read between August 16 - August 21, 2025
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Não há consolo em dizer que o que nos acontece, nos acontece. Parte fazemos, parte nos fazem. Às vezes, é preciso ir longe para chegar vindo de trás e alcançar a véspera da véspera da véspera do acontecimento. O momento preciso em que tomamos ou somos tomados por uma direção e um belo dia… ou um triste dia, somos o que somos.
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Rindo, com suas bochechas rosadas, só de ver o pai rir, achando uma beleza a intimidade que se estabelecia entre eles. No coração de Tonico, dividido entre odiar e amar desde muito cedo, o álcool tinha poderes milagrosos. Prometeu beber quando crescesse.
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Sabe-se lá de onde vem a força de uma primeira impressão, menos ainda para onde vai. Mas há nesse começo um grande poder.
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Um mal necessário, ou melhor, um necessário absolutamente mau.
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Para Antunes, acostumado a ter a mulher na hora que bem entendesse e, principalmente, nas horas em que, embriagado, não entendesse mais nada, era uma contrariedade.
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Sofria de medo, uma doença dramática em quem tem imaginação. Com os primeiros passos, medo das quinas. Com as brisas, medo da febre. Com o sol, medo da desidratação. Com a comida, medo dos vômitos. Com o amor, medo da perda. Com a liberdade, medo das escolhas.
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Ele retomou o velho vício, embora com novos critérios. Nunca mais bebeu na frente de Custódia. Passou a beber na rua, nos bares, sozinho e calado, mais por submissão do que pela antiga admiração ao álcool. Uma lastimável decadência evolava de sua imagem solitária, bebendo sem assunto, sem amigos, sem sorrir, envolto em memórias corrosivas. Nunca mais uma cerveja desceria apenas gelada ou uma cachaça esquentaria inocente seu corpo. Haveria sempre um “bêbado insuportável” se intrometendo nos seus porres.
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Certamente alguma mãe no mundo, nem que seja uma única mãe no mundo, há de reconhecer o fio afiado dessa navalha e quantas vezes caminhou sobre ele com braços abertos, tentando encontrar o equilíbrio e, por vezes, não o encontrou. O gesto brusco não nasce de uma intenção. Irrompe, vaza o limite da alma exausta, é um corpo em derrame. Alguém pode compreender isso? Não!!!!, gritam as vozes do mundo ressoando as escrituras onde a falta de perdão é fulminante. Há verdades íntimas demais para serem aceitas em público. Todos sabem. Todos fingem não saber.
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E uma mulher não deve se enganar quanto a isso: se é preciso força para tocar no amor de um homem, melhor deixá-lo. Mil vezes: melhor deixá-lo.
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Vedina sabia há muito tempo que precisava deixar Abel para ser capaz de amar Augusto. Mas foi Augusto quem ela deixou naquela manhã.
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Um paraíso não é suficiente contra determinados infernos. É verdade que algum alívio os banhos demorados trazem, mas logo tudo se resseca, ressente, repuxa. Quando há uma ferida aberta, nem os dias ensolarados melhoram as coisas. Nem o mar. E até a brisa, musa da delicadeza, machuca.
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“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.”
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Nessa idade, desejar é uma antinomia: não se pode revelar, tampouco esconder, o interesse de uns pelos outros. Sente-se uma vergonha desmedida de gostar de alguém, especialmente quando esse alguém descobre o afeto que inspira. Aprende-se, e muitos o fazem de forma desastrosa, que gostar é tornar-se vulnerável.
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Mas quando se quer um pouco de afeto, qualquer migalha é afeto. E pensar em razões mais razoáveis só atrapalha.
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Mas sabe-se lá por qual mecanismo aleatório viu-se perturbado por uma súbita consciência. A consciência definitivamente não é um amanhecer. É luz elétrica encanada até um interruptor. Passa-se do escuro ao claro, sem nuances. É como olhar, distraído, para a parede de um cômodo que se visita diariamente e ver, com assombro, em estado adiantado, uma infiltração que não se viu começar, nem crescer. Mas que está lá num tamanho considerável. Ontem não estava, hoje está. A consciência é a posse das evidências num gole.
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Não é disso que o senhor me acusa? De ter escolhido errar ao invés de acertar? É assim que eu o escuto. Talvez o senhor tenha razão, eu errei certamente… mas esse “bem feito” disfarçado de “eu avisei”… Ah, como isso é cruel, padre Alberto. Esse gosto por ter razão acima de tudo é cruel. Com o senhor por perto… nem homem nem fé no meu coração parecem se entender. Nem homem, nem fé.
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Custódia, de olho no marido, enchia o copo dele de água enquanto chegava o nariz bem perto para farejar de onde vinha sua vermelhidão. Sentia o bafo da menta. Cochichou no ouvido dele, como uma mãe que belisca o filho por debaixo da mesa: “Se você beber mais um gole, insuportável, te boto pra fora!”
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Acho um perigo o elogio excessivo. Gera vaidade, e vaidade é um vício terrível. As pessoas se agarram a ela e ficam comprometidas em manter os elogios em alta,
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O que uma paisagem não é capaz de fazer! Andar diante daquela natureza radiante abriu a alma de Caim, não para que a beleza entrasse, mas para que ela saísse.
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Nas famílias, desiste-se muito das palavras para evitar exílios e, assim, nascem desertos. Se,