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Kindle Notes & Highlights
Doce, elogio mais lindo do mundo. Muitos velhos, quando se aproximam da morte ou ficam muito doentes, tornam-se rabugentos, caprichosos. Não ela. Ela, que tinha muitos defeitos e problemas quando saudável — teimosa, muitas vezes insensível —, na doença se transformou em pura doçura, o que diz muito sobre quem ela era de verdade, se é que existe esse ser de verdade.
A vida aqui fora é uma metáfora da memória — arquivar, salvar, espaço para o acúmulo, limpeza das sobras, hierarquização — e também a memória passa a ser uma metáfora dessa vida, funcionando ambas por osmose e imitação. Em outro modo de vida, com outra experiência do tempo, certamente também a memória funciona de modo diferente.
E minha mãe, mestra do esquecimento, a quem eu sempre me contrapus como a lembrança insistente, agora me ensina também a esquecer. Me ensina também que o tempo é uma coisa trágica: ele acontece.
Já faz mais de um mês que ela morreu e eu temo a morte da morte.
O momento presente, enquanto escrevo isso, está cheio de passado, está sendo escrito por ele e é o próprio passado.

