More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Todas mulheres, dentro de mulheres, advindas do útero de mulheres, bonecas russas brasileiras, matrioskas do sertão.
memória é um campo de incertezas e transforma as lembranças em calopsia, essa ilusão de que algumas coisas são mais bonitas do que de fato são. mesmo passados todos esses anos, eu sempre sonho que estou escorregando de algum lugar. me choco contra o chão e o impacto comprime meus pulmões. um buraco negro se forma no meu peito. depois da queda me faltou tudo. nunca mais o conforto de um útero.
acho mágico como elas se desmembram saindo-de-si-pra-dar-lugar-à-outra. um círculo gemelar infinito. por essa afinidade sinto que dentro de mim vivem mais mulheres do que eu posso dar conta. talvez por isso, me sinto correndo contra o tempo. todas essas vozes na minha cabeça. sometimes breathing, sometimes drowning. imagino que os sonhos são pedaços de outras vidas. alguns dias transcorrem sem trégua. em outros, consigo certa coerência, certa paz de espírito. no fim, percebo que a linha em que caminho é uma arritmia. boneca russa, me desdobro em várias. mas só queria ser simples,
maluca era a adjetivação para todos os preconceitos-medos-dificuldades de lidar com o diferente.
gostaria de poder falar, mas temo ser necessária uma traqueotomia. preciso fechar a janela. tem um monte de coisa perigosa lá fora, mas o que vai me matar é o calo na prega vocal feito dos silêncios que guardei na garganta.
eu poderia enumerar infinitamente as possibilidades de se perder em um labirinto-cemitério que se abre em monumentos e terra molhada. que esconde o pranto nas estátuas de anjinhos e donzelas de cabelos longos, coroas de flores e âncoras. foi em um desses que encontrei a lápide de antônia, innocente e interessante anginha fallecida aos três annos da febre tifoide deixando saudades e dores eternas no collo de sua mãe, pae e irmães. a saudade é adubo. arquiteta dos meus próprios caminhos, deixei de desenhar labirintos e passei a construir estradas. como a via romana. com pedras cordiformes e
...more
ela está em decúbito dorsal, as pernas moles formando um triângulo. a cabeça pende para o lado e mostra uma parte do rosto que teima em se esconder sob o cabelo desgrenhado. o olhar é de espanto. tenho vontade de rir quando constato isso, mas o pêndulo da sala toca e me alerta. que bom. ainda sou humana.