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Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães… O sertão está em toda a parte.
Quem muito se evita, se convive.
Só que uma pergunta, em hora, às vezes, clarêia razão de paz.
Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom amigo-de-seus-amigos!
Aquele menino tinha sido homem. Devia, em balanço, terríveis perversidades. Alma dele estava no breu. Mostrava. E, agora, pagava. Ah, mas, acontece, quando está chorando e penando, ele sofre igual que se fosse um menino bonzinho…
Eu podia ser: padre sacerdote, se não chefe de jagunços; para outras coisas não fui parido. Mas minha velhice já principiou, errei de toda conta.
Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar — o tempo todo.
Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinhozinho de metal…
Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar.
Mas, passarinho de bilo no desvéu da madrugada, para toda tristeza que o pensamento da gente quer, ele repergunta e finge resposta.
Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente — o escuro, escuros.
Acalmou meu fôlego. Me cerrou aquela surpresa. Sentei em cima de nada. E eu cri tão certo, depressa, que foi como sempre eu tivesse sabido aquilo.
Não devia de estar relembrando isto, contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo. Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si.
Moço: toda saudade é uma espécie de velhice.
Coração — isto é, estes pormenores todos. Foi um esclaro. O amor, já de si, é algum arrependimento.
Ah, naqueles tempos eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espêlho — caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade!
Confiança — o senhor sabe — não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa.
“Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho…”
Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo.
A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho.
me senti pior de sorte que uma pulga entre dois dedos.
Vingar, digo ao senhor: é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.
O dia já estava clareando completo. Meu coração restava cheio de coisas movimentadas.
O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente.
Esta vida é de cabeça-para-baixo, ninguém pode medir suas pêrdas e colheitas.
Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca. Eu queria mesmo algum desespero.
remédio que há. Que alarga o mundo e põe a criatura solta. Medo agarra a gente é pelo enraizado.
em roda de fogueira, toda conversa é miudinhos tempos.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
Afirmo ao senhor, do que vivi: o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.
Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor.
Hê, de medo, coração bate solto no peito; mas de alegria ele bate inteiro e duro, que até dói, rompe para diante na parede.
Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas — de fazer balancê, de se remexerem dos lugares.
Hoje, eu penso, o senhor sabe: acho que o sentir da gente volteia, mas em certos modos, rodando em si mas por regras. O prazer muito vira medo, o medo vai vira ódio, o ódio vira esses desesperos? — desespero é bom que vire a maior tristeza, constante então para o um amor — quanta saudade… —; aí, outra esperança já vem…
Quem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera;
Vento que vem de toda parte. Dando no meu corpo, aquele ar me falou em gritos de liberdade. Mas liberdade — aposto — ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o bêco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é cousa terrível?
Sou um homem ignorante. Gosto de ser. Não é só no escuro que a gente percebe a luzinha dividida?
Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total.
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe — mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus.
A guerra tem destas coisas, contar é que não é plausível. Mas, mente pouco, quem a verdade toda diz.
Sertão, — se diz —, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.