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Kindle Notes & Highlights
Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi.
Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?
E – e se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo – que sei do resto? o resto não existiu. Quem sabe nada existiu! Quem sabe me aconteceu apenas uma lenta e grande dissolução?
Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada.
Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.
O relato de outros viajantes poucos fatos me oferecem a respeito da viagem: todas as informações são terrivelmente incompletas.
Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver.
a glória dura de estar viva é o horror.
Sou agradável, tenho amizades sinceras, e ter consciência disso faz com que eu tenha por mim uma amizade aprazível, o que nunca excluiu um certo sentimento irônico por mim mesma, embora sem perseguições.
não precisava do clímax ou da revolução ou de mais do que o pré-amor, que é tão mais feliz que amor.
Como eu, o apartamento tem penumbras e luzes úmidas, nada aqui é brusco: um aposento precede e promete o outro.
Na semana anterior eu me divertira demais, frequentara demais, tivera por demais de tudo o que quisera, e desejava agora aquele dia exatamente como ele se prometia: pesado e bom e vazio.
tirar o telefone do gancho
Tratava-se agora de um aposento todo limpo e vibrante como num hospital de loucos onde se retiram os objetos perigosos.
A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz.
sou cada pedaço infernal de mim
Perdão é um atributo da matéria viva.
Pois a atualidade não tem esperança, e a atualidade não tem futuro: o futuro será exatamente de novo uma atualidade.
beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida.
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir –
identidade me é proibida mas meu amor é tão grande que não resistirei à minha vontade de entrar no tecido misterioso, nesse plasma de onde talvez eu nunca mais possa sair.
É horrivelmente insípido, meu amor.
Foi preciso a barata me doer tanto como se me arrancassem as unhas – e então não suportei mais a tortura e confessei, e estou delatando.
nós sempre disfarçávamos o que sabíamos: que viver é sempre questão de vida e morte, daí a solenidade.
de que as coisas todas se passam acima ou abaixo da
Pois preciso saber exatamente isto: estou sentindo o que estou sentindo, ou estou sentindo o que eu queria sentir? ou estou sentindo o que precisaria sentir?
É que no neutro do amor está uma alegria contínua, como um barulho de folhas ao vento.
A esperança é um filho ainda não nascido, só prometido, e isso machuca.
A flor não foi feita para ser olhada por nós nem para que sintamos o seu cheiro, e nós a olhamos e cheiramos.
Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.