A descoberta da escrita (Minha Luta #5)
Rate it:
Read between September 19 - November 29, 2018
26%
Flag icon
Esses rostos desapareciam, desfaziam-se no instante mesmo em que passavam, enquanto os rostos de Bergen retornavam, ah, lá estava aquele tipo! Bergen tinha sido uma cidade desde o início da Idade Média, e eu gostava de imaginar que não apenas o Håkonshallen e a Mariakirken remontavam àquele tempo, além do panorama, claro, e que não apenas as casas tortas do Bryggen remontavam ao século XV, mas também que os diferentes rostos continuavam vivos, ressurgiam a cada nova geração e continuavam a andar pela cidade.
28%
Flag icon
Kjartan ria ao falar essas coisas, não sem um certo escárnio, mas sempre havia também uma duplicidade, porque Kjartan tinha muito da mãe; a atitude séria em relação à vida, o profundo sentimento de dever também existiam em Kjartan, e se a mãe dele cultivava e reverenciava a terra, Kjartan cultivava e reverenciava a natureza, a presença do universo nos pássaros e nos animais, nas montanhas e no céu. Mas ele negaria a existência dessa relação entre os dois, porque era comunista, ateu e encanador de navio. Mas para se convencer de tudo isso bastava encará-los nos olhos. Os mesmos olhos castanhos, ...more
35%
Flag icon
feito críticas pontuais no que dizia respeito à dramaturgia, ou seja, à relação entre os personagens e as cenas, mas eu me defendi afirmando que não devia haver relação nenhuma, a intenção era justamente essa, e ele acenou a cabeça e disse, claro, porém mesmo as coisas que pretendem ser incoerentes precisam de coerência; a regra para toda escrita é que se pode escrever sobre o aborrecimento, mas não de maneira aborrecida sobre o aborrecimento.
36%
Flag icon
eu me deparava com uma barreira toda vez que eu fazia esse tipo de coisa, um muro de classe média e pequena-burguesia que não se deixava vencer sem enormes preocupações e angústias. Eu queria, mas não conseguia. No fundo eu era uma pessoa boa e ordeira, o cabeça da turma, e, segundo eu pensava, talvez fosse esse o motivo que me impedia de escrever. Eu não era desvairado o bastante, não era artístico o bastante, em suma, eu era comum demais para dar certo. Quem havia me convencido do contrário? Ah, essa era apenas mais uma dessas mentiras da vida.
41%
Flag icon
um sentimento completamente novo tomou conta de mim, um sentimento até então desconhecido, que parecia um entusiasmo enorme, como se eu estivesse na presença de uma coisa única, misturado a uma impaciência igualmente enorme, eu precisava chegar àquele lugar, e esses dois sentimentos eram tão contraditórios que eu tive vontade de me levantar e sair correndo e gritando ao mesmo tempo que tive vontade de continuar lendo em silêncio. O estranho era que essa inquietude começava a me afligir assim que eu lia um trecho bom, que eu descobria e compreendia, era como se aquilo fosse simplesmente ...more
41%
Flag icon
Essa vontade de adquirir conhecimento tinha um certo elemento de pânico, em momentos de revelações repentinas e terríveis eu compreendia que no fundo não sabia nada, e que havia pressa, eu não tinha um segundo a perder. Mas era quase impossível conciliar essa velocidade à lentidão exigida pela leitura.
71%
Flag icon
Assim era, assim tinha sido, e naquele momento tudo havia acabado.
71%
Flag icon
Desci em meio à chuva, larguei os galhos em cima do cascalho, olhei para a casa, para as janelas que reluziam na manhã cinzenta. Comecei a chorar. Não por causa da morte e do frio, mas por causa da vida e do calor. Chorei pela bondade que existia no mundo. Chorei pela luz em meio à neblina, chorei pelos vivos naquela casa da morte e pensei, não posso jogar minha vida fora.
83%
Flag icon
Foi um desses pensamentos que mudam tudo. Um desses pensamentos que surgem de repente e colocam tudo no devido lugar. Era um pensamento carregado de futuro e de sentido. Justamente o que me faltava, e o que havia me faltado por muito tempo. Futuro e sentido.
98%
Flag icon
inverno deu lugar à primavera. Eu não tinha TV, não tinha jornais, não comia nada além de peixe, knekkebrød e maçã, e a única coisa que eu pensava era em Tonje, e também que eu precisava me tornar uma pessoa boa. Eu precisava me tornar uma pessoa boa. Eu precisava fazer tudo que pudesse para alcançar esse objetivo. Eu não podia mais ser covarde, não podia mais ser esquivo e vago, eu precisava ser sincero, direto, claro, honesto. Eu precisava olhar as pessoas nos olhos, eu precisava assumir quem eu era, o que eu pensava e o que eu fazia. Eu precisava tratar Tonje melhor, se continuássemos ...more