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Mas o homem é a tal ponto afeiçoado ao seu sistema e à sua dedução abstrata que está pronto a deturpar intencionalmente a verdade, a descrer de seus olhos e seus ouvidos apenas para justificar a sua lógica.
a própria ciência há de ensinar ao homem (embora isto seja, a meu ver, um luxo) que, na realidade, ele não tem vontade nem caprichos, e que nunca os teve, e que ele próprio não passa de tecla de piano ou de um pedal de órgão;
ainda que não seja estúpido, é monstruosamente ingrato! É ingrato em uma escala fenomenal. Penso até que a melhor definição do homem seja: um ser de dois pés e ingrato.
Fica ainda uma pergunta: para que, em suma, quero eu escrever? Se não é para um público, não se poderia recordar tudo mentalmente, sem lançar mão do papel?
Atualmente percebo, com toda a nitidez, que eu mesmo, em virtude da minha ilimitada vaidade e, por conseguinte, da exigência em relação a mim mesmo, olhava-me com muita frequência, com enfurecida insatisfação que chegava à repugnância e, por isso, atribuía mentalmente a cada um o meu próprio olhar.
Torturava-me então mais uma circunstância: o fato de que ninguém se parecesse comigo e eu não fosse parecido com ninguém. “Eu sou só, e eles são todos”, dizia de mim para mim, e ficava pensativo.

