A Morte de Ivan Ilitch

by Leo Tolstoy

se a literatura nos permite viver muitas vidas, também nos possibilita morrer muitas mortes.

O defunto jazia, como sempre jazem os defuntos,

como em todos os defuntos, seu rosto estava mais bonito e, sobretudo, mais significativo do que tinha sido quando vivo.

rosto, havia uma expressão de que aquilo que deveria ter sido feito estava feito, e da maneira correta.

vida de Ivan Ilitch transcorria como a vida deveria transcorrer, de acordo com sua crença:

de modo leve, agradável e decente.

Sua situação piorava pelo fato de que ele lia livros de medicina e consultava médicos.

“O problema não é o ceco, nem o rim, mas a vida… e a morte. Sim, eu tinha a vida, e agora ela está indo embora, indo embora, e eu não consigo detê-la. Sim. Por que me enganar? Por acaso não é visível a todos, exceto a mim, que estou morrendo? A questão é só o número de semanas, de dias – talvez agora mesmo. Antes havia luz, mas agora há trevas. Antes eu estava aqui, mas agora vou para lá! Para onde?”

“Eu não existirei mais, então o que será? Não será nada. Então onde eu estarei quando não existir mais? Será mesmo a morte? Não, não quero.”

E ele começou a relembrar na imaginação os melhores momentos de sua agradável vida. Mas (o que era estranho) todos esses melhores momentos de sua agradável vida pareciam agora totalmente diferentes do que tinham parecido então. Todos,

exceto pelas primeiras recordações da infância. Lá, na infância, havia algo realmente agradável, com que se poderia viver, se ela voltasse.

Mas a pessoa que tinha experimentado essa coisa agradável não existia mais: era como se fosse a...

Não pode ser que a vida tenha sido tão sem sentido, tão abjeta. E, se ela tiver mesmo sido tão abjeta e sem sentido, por que razão morrer, e morrer sofrendo? Algo está errado.

O médico disse que seu sofrimento físico era terrível, e isso era verdade; porém, mais terrível que seu sofrimento físico era seu sofrimento moral, e nisso estava seu principal tormento.