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Todo mundo diz que você era bonita quando jovem; venho lhe dizer que, por mim, eu a acho agora ainda mais bonita do que quando jovem; gostava menos do seu rosto de moça do que do rosto que você tem agora, devastado”.
Esse grande desânimo de viver atingia minha mãe todos os dias. Às vezes durava, às vezes desaparecia à noite. Tive essa sorte de ter uma mãe desesperada de um desespero tão puro que nem mesmo a felicidade da vida, por mais intensa que fosse, chegava a distraí-la totalmente dele.
Acontecia todo dia. Disso tenho certeza. Devia ser brutal. Em certo momento de cada dia vinha esse desespero. E depois a impossibilidade de avançar, ou o sono, ou às vezes nada, ou às vezes, pelo contrário, as compras de casas, as mudanças, ou às vezes também esse humor, apenas esse humor, essa prostração, ou às vezes uma rainha, tudo o que lhe pediam, tudo o que lhe ofereciam, essa casa no Pequeno Lago, sem nenhuma razão, meu pai já agonizante, ou esse chapéu de aba lisa, porque a menina tanto queria, ou esses sapatos de lamê, e assim por diante. Ou nada, ou dormir, morrer.
Eu não, eu nunca tinha visto. Nunca tinha visto minha mãe como louca. Ela era. De nascença. No sangue. Não era doente de sua loucura, ela a vivia como saúde.
Eu digo que não é só por ser de dia, que ele está enganado, que sinto uma tristeza que já esperava e que vem só de mim. Que sempre fui triste. Que vejo essa tristeza também nas fotos em que sou menininha.
Hoje eu lhe digo que essa tristeza é um bem-estar, o de finalmente cair numa desgraça que minha mãe me anuncia desde sempre, clamando no deserto de sua vida.
Que a vida é imortal enquanto vive, enquanto está em vida. Que a imortalidade não é uma questão de mais ou menos tempo, não é uma questão de imortalidade, é uma questão de alguma outra coisa que continua desconhecida.