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Kindle Notes & Highlights
Muito cedo foi tarde demais em minha vida. Aos dezoito anos, já era tarde demais.
Tudo começou desse jeito para mim, por esse rosto visionário, extenuado, esses olhos pisados antes do tempo, antes da experiência.
Há uma tempestade que sopra no interior das águas do rio. Um vento que se debate.
Já estou ciente. Sei algumas coisas. Sei que não são as roupas que tornam as mulheres mais ou menos belas, nem os cuidados de beleza, nem o preço dos cremes, nem a raridade ou o valor dos adornos. Sei que o problema está em outro lugar. Não sei onde. Só sei que não é onde as mulheres pensam que está.
Essa omissão das mulheres em relação a si mesmas, praticada por elas mesmas, sempre me pareceu um erro. Não era preciso atrair o desejo. Ele estava em quem o despertava ou não existia. Ele já estava ali desde o primeiro olhar ou jamais teria existido. Ele era o entendimento imediato da relação de sexualidade ou não era nada. Isso, também, eu soube antes da experiência.
nada tem tempo de fluir, tudo é levado pela tempestade profunda e vertiginosa da correnteza interna, tudo fica em suspenso na superfície da força do rio.
Não que precise chegar a alguma coisa, o que é preciso é sair de onde estamos.
Nunca escrevi, e pensei que escrevia, nunca amei, e pensei que amava, nunca fiz nada a não ser esperar diante da porta fechada.
Das noites eu me lembro. O azul ficava além do céu, ficava atrás de todas as densidades, recobria o fundo do mundo. O céu, para mim, era esse rastro de puro brilho que atravessa o azul, essa fusão fria para além de toda cor.
A luz caía do céu em cascatas de pura transparência, em trombas de silêncio e imobilidade. O ar era azul, podia-se apalpá-lo. Azul. O céu era aquela palpitação contínua do brilho da luz. A noite iluminava tudo, todo o campo das duas margens do rio a perder de vista. Cada noite era especial, cada uma era o próprio tempo de sua duração. O som das noites era o dos cães do campo. Uivavam para o mistério. Respondiam de aldeia em aldeia, até a consumação total do espaço e do tempo da noite.
Tem um riso de ouro, de despertar os mortos, de despertar quem quer que ouça o riso das crianças.
Era preciso avisar as pessoas dessas coisas. Informar que a imortalidade é mortal, que pode morrer, que aconteceu e ainda acontece. Que ela não se mostra enquanto tal, nunca, que ela é a duplicidade absoluta. Que ela não existe no detalhe, mas apenas como princípio.