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June 21 - June 28, 2020
E qual é o papel das pessoas brancas que se dizem progressistas nesse atual cenário? Como bem citado por Renni a fala do ativista político Martin Luther King na Letter From the Birmingham Jail: “[…] a aceitação indiferente é mais desconcertante do que a rejeição total.” É necessário se movimentar. Diante disso, esse livro passa a ser uma obra fundamental para que pessoas brancas que se dizem antirracistas saiam do seu local de culpa pela sua branquitude e pelos seus privilégios, para uma posição de luta real.
Se você é uma pessoa branca que vive perguntando por aí qual é seu papel na luta contra o racismo, esse livro é para você. Se você é uma pessoa branca que jamais pensou sobre a sua brancura, esse livro também é para você.
Pessoas brancas nunca tiveram que pensar sobre o que significa, em termos de poder, ser branco, então todas as vezes em que são vagamente relembradas desse fato, interpretam isso como uma afronta. Seus olhos se enchem de tédio ou arregalam de indignação. Suas bocas começam a se contorcer à medida que vão ficando defensivas. Suas gargantas se abrem enquanto elas tentam interromper, ansiosas para falar em cima de você sem realmente escutar, porque elas precisam informar que você entendeu tudo errado.
Então não posso mais conversar com pessoas brancas sobre raça por causa das consequentes negações, estranhas piruetas e acrobacias mentais que elas demonstram quando esse assunto é posto em pauta.
Ao longo do período do tráfico de escravos, estima-se que 11 milhões de pessoas negras africanas foram transportadas pelo Oceano Atlântico para trabalharem sem remuneração em plantações de açúcar e algodão, nas Américas e nas Índias.
Apesar da abolição, uma lei do Parlamento não iria mudar a percepção, da noite para o dia, dos africanos escravizados, de quase animal para humano. Menos de 200 anos depois, esse dano ainda está para ser desfeito.
Entretanto, algumas dessas pessoas reagiram.
Em 20 de agosto, em Notting Hill, a oeste de Londres, um grupo de teddy boys – homens brancos e amantes de rock and roll que usavam sapatos e terninhos – foram às ruas com o único objetivo de atacar negros. Eles se chamavam de “caçadores de crioulos”. Naquela noite, sua onda violenta colocou cinco homens negros no hospital.
A Frente Nacional, um partido apenas de brancos, anti-imigração e de extrema direita, estava alimentando a raiva e o ressentimento entre os britânicos. Formada em 1967, a Frente Nacional tem ligações estreitas com movimentos supremacistas brancos em todo o mundo. No auge de seu crescimento, na década de 1970, os membros do partido se enfeitaram com bandeiras do Reino Unido e com a cruz de São Jorge, como se sentissem que sua política representava o símbolo do britanismo.
Quando os tumultos de Londres, em agosto de 2011, espelharam, quase que de forma exata, o que aconteceu em Brixton, em 1985, fiquei imaginando quantas vezes a história terá que se repetir antes de escolhermos resolver os problemas mais profundos.
Diante de um esquecimento coletivo, precisamos lutar para lembrar.
Dizemos a nós mesmos que pessoas boas não podem ser racistas. Parece que pensamos que o verdadeiro racismo só existe nos corações das pessoas más. Dizemos a nós mesmos que o racismo é sobre valores morais, quando, em vez disso, é sobre a estratégia de sobrevivência do poder sistêmico. Quando setores da população votam nos representantes e nos esforços políticos que explicitamente usam o racismo como uma ferramenta de campanha, dizemos a nós mesmos que grandes seções do eleitorado simplesmente não podem ser racistas, pois isso os transformaria em monstros sem coração. Entretanto, isso não é
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Com um preconceito tão arraigado em muitos níveis da sociedade, nosso homem negro pode fazer o melhor possível, mas ele está essencialmente jogando um jogo manipulado. Ele pode ter ouvido de seus pais e colegas que, se ele trabalhar duro o suficiente, pode superar qualquer coisa. Mas as evidências mostram que isso não é verdade, e que aqueles que conseguem e que são exceção, estão tendo sucesso em um ambiente que é estabelecido para falharem.
Apesar disso, muitos insistem que qualquer tentativa de nivelar o tabuleiro é um tratamento especial, e que devemos nos concentrar na igualdade de oportunidades, sem perceber que nivelar o jogo está permitindo a igualdade de oportunidades.
A insistência está no mérito, insinuando que qualquer atual liderança branca majoritária em qualquer área chegou ali por meio de trabalho duro e sem ajuda externa, como se a branquitude não fosse um empurrão por si só, como se não implicasse em uma familiaridade que quebra o gelo de qualquer candidato com seu entrevistador.
Nós não vivemos em uma meritocracia, e fingir que o simples trabalho árduo levará todos ao sucesso é um exercício de ignorância intencional.
A neutralidade racial é uma análise infantil e atrofiada do racismo. Começa e termina em “discriminar uma pessoa por causa da cor da sua pele é ruim”, sem levar em conta as maneiras pelas quais o poder estrutural se manifesta nessas trocas. Com uma análise tão imatura, essa definição de racismo é frequentemente usada para silenciar pessoas de cor que tentam articular o racismo que enfrentamos. Quando as pessoas de cor apontam isso, elas são acusadas de serem racistas contra pessoas brancas, e o desvio da responsabilidade continua. A neutralidade de cor não aceita a legitimidade do racismo
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Dizer a nós mesmos, repetidamente, – e, pior ainda, dizer aos nossos filhos – que somos todos iguais é uma mentira mal direcionada, mesmo que bem-intencionada.
Não ver raça pouco faz para desconstruir estruturas racistas ou melhorar materialmente as condições às quais as pessoas de cor estão sujeitas diariamente. Para desmantelar estruturas injustas e racistas, precisamos ver raça.
Como posso definir privilégio branco? É tão difícil descrever uma ausência. E privilégio branco é a ausência das consequências negativas do racismo. Uma ausência de discriminação estrutural, uma ausência da sua raça sendo vista como um problema em primeiro lugar, uma ausência de “menos chances de sucesso por causa da minha raça”. É uma ausência de olhares engraçados direcionados a você porque acredita-se que você esteja no lugar errado; uma ausência de expectativas culturais; uma ausência da violência promulgada em seus antepassados por causa da cor de suas peles; uma ausência de uma vida
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“[…] o prejuízo causado ao trabalhador negro tem sua contrapartida no privilégio do trabalhador branco. Esperar que o trabalhador branco ajude a acabar com o prejuízo para o negro é pedir a ele que se oponha a seus próprios interesses.”92
Para alguns, a palavra “privilégio”, no contexto da branquitude, invoca imagens de uma vida habituada ao luxo, aproveitando os mimos dos super ricos. Quando falo de privilégio branco, não quero dizer que as pessoas brancas tenham uma vida fácil, que nunca tenham lutado ou que nunca tenham vivido na pobreza. Mas o privilégio branco é o fato de que, se você é branco, sua raça quase certamente afetará positivamente a sua trajetória de vida de alguma forma. E você provavelmente nem vai perceber.
A ideia de privilégio branco força as pessoas brancas que não são ativamente racistas a confrontar sua própria cumplicidade na existência contínua do racismo.
E foi só quando o problema se aproximou de mim que comecei a ficar enfurecida por ele.
Existe uma diferença entre racismo e preconceito. Existe uma definição não-atribuída de racismo que o define como preconceito mais poder. Os desfavorecidos pelo racismo podem certamente ser cruéis, vingativos e preconceituosos. Todo mundo tem a capacidade de ser desagradável com outras pessoas, de julgá-las antes de conhecê-las. Entretanto, simplesmente não há pessoas negras o suficiente em posições de poder para promulgar o racismo contra pessoas brancas no tipo de grande escala que atualmente opera contra pessoas negras. Os negros estão super-representados nos lugares e espaços onde o
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“vitimização branca”97: um esforço dos poderes de desviar as conversas sobre os efeitos do racismo estrutural para proteger a branquitude das críticas rigorosas e necessárias.
O racismo não é uma via de mão dupla. Existem formas únicas de discriminação que são apoiadas por direito, afirmação e, o mais importante, apoiadas por um poder estrutural forte o suficiente para assustá-lo a ponto de cumprir as exigências do status quo. Nós temos que reconhecer isso.
Fingir que tudo está bem não ajuda ninguém.
Dada a sua formação, fiquei imaginando como sua postura em relação à raça poderia mudar tão drasticamente de até então para agora. Na minha experiência, uma pessoa branca que teve uma educação quase toda branca traz consigo uma insularidade, bem como um impulso para defender a branquitude quando criticada. Em que momento da sua vida ela percebeu que era branca?
“Perdi muito a sensibilidade de ouvir que estou errada. Isso é um ganho enorme, em um nível pessoal. Não perdi meu privilégio branco. Não diminuiu porque de repente eu entendo o que é.”
Quando escrevo sobre pessoas brancas neste livro, não quero dizer todas as pessoas brancas individualmente. Quero dizer branquitude como uma ideologia política.
Revestida da estrutura perniciosa da “liberdade de expressão”, ela se materializa quando uma pessoa com valores antirracistas exprime sua repugnância por algo racista. Ela será então informada de que sua pura objeção a isso realmente inibe a liberdade de discurso.
Um debate nacional sobre se a estátua deveria cair se seguiu. Os estudantes negros que se manifestaram foram acusados de serem antidemocráticos. “Cecil Rhodes era um racista”, dizia uma manchete, “mas você não pode apagá-lo da história.” Essa foi uma conclusão estranha a ser tirada, porque fazer campanha para derrubar uma estátua não é o mesmo que deletar o nome de Cecil Rhodes dos livros de história. A campanha Rhodes Must Fall não queria que Rhodes fosse apagado da história. Em vez disso, eles estavam questionando se ele deveria ser tão abertamente celebrado.
Parece haver uma crença entre alguns brancos de que ser acusado de racismo é muito pior do que o próprio racismo.
A liberdade de expressão é base fundamental para uma democracia livre e justa. Mas vamos ser honestos e ter coragem de descobrir quem fala, onde e por quê.
Já é hora de as críticas ao racismo estarem sujeitas à mesma defesa apaixonada pela liberdade de expressão que as próprias declarações racistas.
Liberdade de expressão não significa o direito de dizer o que você quer sem refutação, e a fala e as ideias racistas precisam ser saudavelmente desafiadas na esfera pública. O medo branco tenta impedir que essa conversa aconteça.
Por muito tempo, esses heroicos personagens fictícios, amados por tantas pessoas, têm sido assumidos como brancos, porque a branquitude é vista como universal. É no cinema, na televisão e nos livros que vemos as manifestações mais potentes do branco como a suposição padrão. Um personagem não pode simplesmente ser negro sem um aviso prévio para um assumido público branco.
Quando o casting para filmes e para a TV dá um passo fora da branquitude, fãs repetidamente revelam seu lado obscuro, expressando sua irritação, desgosto e decepção. O medo de personagens negros é o medo de um planeta negro.
Foi encorajador, então, ver J.K. Rowling sair em apoio a uma Hermione negra, rejeitando os literalistas furiosos e tuitando que, quando se tratava do personagem, “a pele branca nunca foi especificada”. Mas quando você está acostumado com o branco sendo o padrão, o preto não é preto, a menos que seja claramente indicado como tal.
Como a vlogger Rosianna Halse Rojas aponta,113 ler Hermione de Harry Potter como negra é uma experiência totalmente diferente. Ele traz à luz a linguagem incrivelmente racializada da pureza do sangue usada no mundo mágico, de sangue-ruim e sangue-puro. Essa é uma terminologia que poderia ter sido facilmente tirada diretamente da Alemanha nazista ou da África do Sul do apartheid. Os pais de Hermione eram trouxas, afinal de contas, e é assim que estados e cientistas classificaram raças e alimentaram o racismo – como se algumas heranças fossem contagiosas e se espalhassem por linhagem e sangue.
A imaginação dos detratores de uma Hermione negra pode se estender à possibilidade de uma plataforma secreta na estação de King’s Cross, que só pode ser acessada através de uma parede de tijolos, mas não pode se estender a um protagonista negro.
Ver personagens não-brancos renegados ao papel de ajudante ou simbólico tem sido rotineiro há tanto tempo que, para alguns, tentar relacionar-se com a pele negra em um personagem principal é um conceito completamente estranho. Fomos posicionados como o “outro”, apenas tomando o centro das atenções para retratar a subjugação ou fornecer alívio cômico. As pessoas brancas estão tão acostumadas a ver um reflexo de si mesmas em todas as representações da humanidade, em todos os momentos, que só percebem quando isso é tirado delas.
Há um velho ditado sobre a homofobia do heterossexual sendo baseada em um medo que homens gays vão tratá-lo da mesma forma que ele trata as mulheres.
Sempre foi sobre a redistribuição do poder e não sobre a inversão dele.
“Quando as feministas podem ver o problema com painéis exclusivamente masculinos, mas não conseguem enxergar o problema com programas de televisão totalmente brancos, vale a pena questionar para quem elas estão realmente lutando.”
escolho reapropriar o termo ‘feminismo’, para me concentrar no fato de que ser ‘feminista’, em qualquer sentido autêntico do termo, é querer, para todas as pessoas, mulher e homem, a libertação do machismo, padrões de gênero, dominação e opressão.”
as mulheres não são carne para serem consumidas. As mulheres não são objetos, passivas e dóceis e abertas e esperando. Há algo tão insidioso sobre essa linguagem de comida e carne, que sugere que os homens devem comer tanta carne e foder tantas mulheres quanto possível, a fim de serem o mais viril possível. Em nossas relações de gênero, a “carne” retira das mulheres uma autonomia corporal básica, afirmando que estamos sempre apenas no cardápio e nunca à mesa.
Não faz sentido ficar quieta porque você quer ser amada. Muitas vezes, não existirá ninguém lutando ao seu lado, a não ser você mesma. Foi a poeta feminista negra Audre Lorde quem disse: “seu silêncio não irá protegê-la”. Quem ganha quando não falamos? Não nós.