More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Read between
January 25 - February 1, 2022
O verdadeiro herói não é aquele que quer fugir do encontro com sua morte, mas sim aquele que a reconhece como sua maior sabedoria.
Não morremos somente no dia da nossa morte. Morremos a cada dia que vivemos, conscientes ou não de estarmos vivos. Mas morremos mais depressa a cada dia que vivemos privados dessa consciência. Morreremos antes da morte quando nos abandonarmos. Morreremos depois da morte quando nos esquecerem.
No processo de morte, nos distanciaremos do que significa esse período em que estamos vivos, conscientes e capazes de decidir o que fazer com ele. A percepção do morrer traz a consciência de que nada do que temos ficará conosco.
O que separa o nascimento da morte é o tempo. A vida é o que fazemos dentro desse tempo; é a nossa experiência. Quando passamos a vida esperando pelo fim do dia, pelo fim de semana, pelas férias, pelo fim do ano, pela aposentadoria, estamos torcendo para que o dia da nossa morte se aproxime mais rápido.
Pessoas que não gostam de falar ou pensar sobre a morte são como crianças brincando de esconde-esconde numa sala sem móveis: elas tapam os olhos com as mãos e acham que ninguém as vê. Pensam de um jeito ingênuo: “Se eu não olho para a morte, ela não me vê. Se eu não penso na morte, ela não existe.” E é essa ingenuidade que as pessoas praticam o tempo todo com a própria vida.
A morte, do outro ou nossa, será uma rara, ou até única, experiência de estarmos verdadeiramente presentes na nossa vida.
Quando, na proximidade da morte, poupamos um ser humano da consciência de suas urgências, da importância do tempo de estar vivo antes de morrer, não conseguimos interromper o processo de morrer. Conseguimos privá-lo de viver. A CONTEMPLAÇÃO DA MORTE “Morrer é apenas não ser visto.
A única coisa da existência humana que não tem opção é a morte. Para todo o resto há opção: podemos fazer ou não, podemos querer ou não. Mas morrer ou não, isso não existe.
Transformar o sentimento de fracasso diante da doença em um sentimento de orgulho pela coragem de enfrentar o sofrimento de finitude.
Até eu trabalhar no Hospice, onde tive a oportunidade de cuidar de mais de seiscentos pacientes em menos de quatro anos, os ateus de quem cuidei tiveram os processos de morte mais serenos que eu já tinha acompanhado. Eram ateus essenciais, não convertidos.
Os ateus essenciais muitas vezes nasceram em famílias de ateus ou nunca conseguiram de fato acreditar, mesmo quando crianças. No entanto, têm um grau de espiritualidade acima da média. Fazem o bem a si mesmos, ao próximo e à natureza, e praticam esse bem com tamanho respeito que é impossível não se encantar com sua qualidade humana. Como não acreditam em um Deus salvador, fazem sua parte para salvar a própria vida e a vida do planeta em que vivem.
Se podemos ser nós mesmos e se isso fizer de nós seres amados apenas pelo que somos, isso é felicidade, é completude. No
“Devo torcer pela morte da minha mãe?!”, “Posso sentir ódio do meu pai?!”, “Quero que essa pessoa, que eu deveria amar tanto, morra”. São emoções que brotam espontaneamente, sem controle, e por meio do pensamento tentamos selecionar e decidir na consciência se são boas ou ruins. Se podemos ou não sentir. Então acreditamos que demonstrar afeto bom é válido, bonito e simpático, e demonstrar afeto ruim não é válido nem bonito nem simpático. Só que, muitas vezes, é por meio do afeto ruim que a transformação realmente se dá.
Cada perda existencial, cada morte simbólica, seja de uma relação, de um trabalho, de uma realidade que conhecemos, busca pelo menos três padrões de sentido. O primeiro diz respeito ao perdão, a si mesmo e ao outro. O segundo é saber que o que foi vivido de bom naquela realidade não será esquecido. O terceiro é a certeza de que fizemos a diferença naquele tempo que termina para a nossa história, deixando um legado, uma marca que transformou aquela pessoa ou aquela realidade que agora ficará fora da sua vida.
Principalmente porque nada é definitivo, exceto a experiência já vivida. Nenhuma
O que tem que vir conosco das histórias passadas é a transformação que elas nos proporcionaram.
O melhor jeito de nos sentirmos seguros em relação aos cuidados e limites de intervenção no final da vida é conversando sobre isso em algum momento durante a nossa vida com saúde. Quando se está doente, essa conversa, embora necessária, fica bem mais delicada.
A primeira coisa a dizer é que a pessoa que morre não leva consigo a história de vida que compartilhou com aqueles que conviveram com ela e para quem se tornou importante ao longo de sua vida. Não
As duas únicas verdades com que preciso aprender a lidar a partir da morte dele são estas: primeiro, que ele se tornou invisível; segundo, que não teremos um futuro compartilhado na nossa relação.
Quando perdemos definitivamente a conexão com alguém importante, alguém que para nossa vida representou um parâmetro de nós mesmos, é como se nos privássemos da capacidade de reconhecer a nós mesmos.
maior parte de nós é o que os outros fazem de nós. Somos esculpidos com base na percepção do outro. O que mais fará falta na morte de alguém importante é o olhar dessa pessoa sobre nós, pois precisamos do outro como referência de quem somos. Se
Quando morre uma pessoa amada e importante, é como se fôssemos levados até a entrada de uma caverna. No dia da morte, entramos na caverna, e a saída não é pela mesma abertura por onde entramos, pois não encontraremos a mesma vida que tínhamos antes.
Embora os avanços científicos na medicina tenham sequestrado a morte para dentro do hospital, quase como um evento proibido, ela precisa ser devolvida para a humanidade. Temos direito a uma morte digna, tanto quanto temos direito a uma vida digna.

