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Era a língua ferida que havia expressado em sons durante os últimos anos as palavras que Belonísia evitava dizer por vergonha dos ruídos estranhos que haviam substituído sua voz. Era a língua que a havia retirado de certa forma do mutismo que se impôs com o medo da rejeição e da zombaria das outras crianças. E que por inúmeras vezes a havia libertado da prisão que pode ser o silêncio.
“O vento não sopra, ele é a própria viração”,
“Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida”,
“Está vendo este mundão de terra aí? O olho cresce. O homem quer mais. Mas suas mãos não dão conta de trabalhar ela toda, dão? Você sozinho consegue trabalhar essa tarefa que a gente trabalha. Esta terra que cresce mato, que cresce a caatinga, o buriti, o dendê, não é nada sem trabalho. Não vale nada. Pode valer até para essa gente que não trabalha. Que não abre uma cova, que não sabe semear e colher. Mas para gente como a gente a terra só tem valor se tem trabalho. Sem ele a terra é nada.”
“o vento não sopra, é o próprio sopro”.
Então sentiu que desde sempre o som do mundo havia sido a sua voz.
Talvez por entender que aquele movimento de desobediência ganhava contornos irrefreáveis,
Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui de sua vida.

