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February 3 - February 28, 2023
O iluminismo tornou-se o fundamento filosófico das grandes revoluções liberais que, a pretexto de instituir a liberdade e livrar o mundo das trevas e preconceitos da religião, iria travar guerras contra as instituições absolutistas e o poder tradicional da nobreza. As revoluções inglesas, a americana e a francesa foram o ápice de um processo de reorganização do mundo, de uma longa e brutal transição das sociedades feudais para a sociedade capitalista em que a composição filosófica do homem universal, dos direitos universais e da razão universal mostrou-se fundamental para a vitória da
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Com a Revolução Haitiana, tornou-se evidente que o projeto liberal-iluminista não tornava todos os homens iguais e sequer faria com que todos os indivíduos fossem reconhecidos como seres humanos.8
Os mesmos que aplaudiram a Revolução Francesa viram a Revolução Haitiana com desconfiança e medo, e impuseram toda a sorte de obstáculos à ilha caribenha, que até os dias de hoje paga o preço pela liberdade que ousou reivindicar.
Assim, a classificação de seres humanos serviria, mais do que para o conhecimento filosófico, como uma das tecnologias do colonialismo europeu para a submissão e destruição de populações das Américas, da África, da Ásia e da Oceania.
A constatação é a de que não há nada na realidade natural que corresponda ao conceito de raça.17 Os eventos da Segunda Guerra Mundial e o genocídio perpetrado pela Alemanha nazista reforçaram o fato de que a raça é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico.
Não se trata, portanto, de apenas um ato discriminatório ou mesmo de um conjunto de atos, mas de um processo em que condições de subalternidade e de privilégio que se distribuem entre grupos raciais se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas.
e uma obsessão pela legalidade. No fim das contas, quando se limita o olhar sobre o racismo a aspectos comportamentais, deixa-se de considerar o fato de que as maiores desgraças produzidas pelo racismo foram feitas sob o abrigo da legalidade e com o apoio moral de líderes políticos, líderes religiosos e dos considerados “homens de bem”.
A estabilidade dos sistemas sociais depende da capacidade das instituições de absorver os conflitos e os antagonismos que são inerentes à vida social.
Com efeito, o racismo é dominação.
Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a toda sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem “normal” e “natural” o seu domínio.
No livro, o racismo é definido como “a aplicação de decisões e políticas que consideram a raça com o propósito de subordinar um grupo racial e manter o controle sobre esse grupo”.
Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é racista.
uma ideologia conservadora impera não apenas pela força de seus argumentos, mas também pelos recursos materiais de que dispõem as forças a quem ela serve, quando se trata de excluir ou limitar a presença dos que sustentam teses opostas, nos lugares onde se realiza a atividade social de produção e difusão de conhecimentos.
Em vez de destruir a cultura, é mais inteligente determinar qual o seu valor e seu significado.
Mesmo que possam ser consideradas perigosas, pois oferecem possibilidades contestadoras de leitura de mundo e da ordem social vigente, as culturas negra ou indígena, por exemplo, não precisam ser eliminadas, desde que seja possível tratá-las como “exóticas”. O exotismo confere valor à cultura, cujas manifestações serão integradas ao sistema na forma de mercadoria.
A permanência do racismo exige, em primeiro lugar, a criação e a recriação de um imaginário social em que determinadas características biológicas ou práticas culturais sejam associadas à raça e, em segundo lugar, que a desigualdade social seja naturalmente atribuída à identidade racial dos indivíduos ou, de outro modo, que a sociedade se torne indiferente ao modo com que determinados grupos raciais detêm privilégios.
No Brasil, a negação do racismo e a ideologia da democracia racial sustentam-se pelo discurso da meritocracia. Se não há racismo, a culpa pela própria condição é das pessoas negras que, eventualmente, não fizeram tudo que estava a seu alcance.
No contexto brasileiro, o discurso da meritocracia é altamente racista, uma vez que promove a conformação ideológica dos indivíduos à desigualdade racial.
Com isso, quer dizer Goldberg que o racismo não é um dado acidental, mas é um elemento constitutivo dos Estados modernos.73
Nas teorias liberais sobre o Estado há pouco, senão nenhum, espaço para o tratamento da questão racial.
Joachim Hirsch, para quem o Estado é a “condensação material de uma relação social de força”.
Dizer que o Estado é “relação material de força” ou uma forma específica de exercício do poder e de dominação é, sem dúvida, um avanço diante de definições como “bem comum” ou “complexo de normas jurídicas”.
Por isso, caberá ao Estado assegurar o direito à liberdade individual, à igualdade formal (apenas perante a lei) e principalmente à propriedade privada. Sem liberdade individual, igualdade formal e propriedade não poderia haver contratos, mercado e, portanto, capitalismo.
O nacionalismo preenche as enormes fissuras da sociedade capitalista, afastando a percepção acerca dos conflitos de classe, de grupos e, em particular, da violência sistemática do processo produtivo.
Daí ser possível concluir que a nacionalidade, que se manifesta como “orgulho nacional”, “amor à pátria”, “espírito do povo”, é resultado de práticas de poder e de dominação convertidas em discursos de normalização da divisão social e da violência praticada diretamente pelo Estado, ou por determinados grupos sociais que agem com o beneplácito estatal.
Raça e racismo são produtos do intercâmbio e do fluxo internacional de pessoas, de mercadorias e de ideias, o que engloba, necessariamente uma dimensão afro-diaspórica.
Para algumas pessoas, a existência de representantes de minorias em tais posições seria a comprovação da meritocracia e do resultado de que o racismo pode ser combatido pelo esforço individual e pelo mérito. Essa visão, quase delirante, mas muito perigosa, serve no fim das contas apenas para naturalizar a desigualdade racial. Mas o problema da representatividade não é simples e tampouco se esgota nessa caricatura da meritocracia.
Entretanto, as palavras de Charles Hamilton e Kwame Ture devem ecoar em nossas mentes e nos servir de alerta: “visibilidade negra não é poder negro”.114 O que os dois pensadores afirmam é que o racismo não se resume a um problema de representatividade, mas é uma questão de poder real. O fato de uma pessoa negra estar na liderança, não significa que esteja no poder, e muito menos que a população negra esteja no poder.
ou senão no direito de ser torturado por um policial da mesma cor de pele, mesmo sexo e falante da mesma língua de sua vítima.115
A representatividade nesse caso tem o efeito de bloquear posições contrárias ao interesse do poder instituído e impedir que as minorias evoluam politicamente, algo que só é possível com o exercício da crítica.
por conta das ramificações mundiais do capitalismo, todos os antagonismos raciais podem ser relacionados às políticas e atitudes dos principais povos capitalistas, as pessoas brancas da Europa e da América do norte.171
O ódio racial é, para Cox, o “suporte natural” da exploração capitalista.
Este processo não é espontâneo; os sistemas de educação e meios de comunicação de massa são aparelhos que produzem subjetividades culturalmente adaptadas em seu interior.
Nos momentos de crise, em que há aumento do desemprego e rebaixamento dos salários, o racismo desempenha um papel diversionista bastante importante, pois os trabalhadores atingidos pelo desemprego irão direcionar sua fúria contra as minorias raciais e sexuais, que serão responsabilizadas pela decadência econômica por aceitarem receber salários mais baixos, quando não pela “degradação moral” a que muitos identificarão como motivo da crise.
Stuart Hall nos mostra como as reações da classe trabalhadora ao desmonte do Welfare State foram controladas com a criação de um “pânico moral”, que nada mais é do que a política do medo. Para isso deve-se construir o criminoso, que ganhará um rosto e uma identidade fornecidos pelos meios de comunicação de massa.
O processo de produção capitalista depende de uma expansão permanente da produção e de uma acumulação incessante de capital. Entretanto, a acumulação incessante de capital e a necessidade de aumento da produção encontram limites históricos que se chocam com as características conflituosas da sociedade.
As crises revelam-se, portanto, como a incapacidade do sistema capitalista em determinados momentos da história de promover a integração social por meio das regras sociais vigentes. Em outras palavras, o modo de regulação, constituído por normas jurídicas, valores, mecanismos de conciliação e integração institucionais entra em conflito com o regime de acumulação.
Essa ideologia racista, somada ao discurso pseudocientífico do darwinismo social – que afirmava a superioridade natural do homem branco –, foram o elemento legitimador da pilhagem, dos assassinatos e da destruição promovidos pelos europeus no continente africano.215
o discurso ideológico do empreendedorismo – que, na maioria das vezes, serve para legitimar o desmonte da rede de proteção social de trabalhadoras e trabalhadores –, da meritocracia, do fim do emprego e da liberdade econômica como liberdade política são diuturnamente martelados nos telejornais e até nos programas de entretenimento.
A captura do orçamento pelo capital financeiro envolve a formulação de um discurso que transforma decisões políticas, em especial as que envolvem finanças públicas e macroeconomia, em decisões “técnicas”, de “especialistas”, infensas à participação popular.