Laços (Portuguese Edition)
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Read between May 1 - May 16, 2019
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Não te interessam as pessoas, como se modificam, como evoluem. Aproveitas-te das pessoas. Só dás espaço a quem te puser num pedestal. Só te ligas às pessoas na condição de te atribuírem prestígio e um papel digno de ti, só na condição de, celebrando-te, te impedirem de ver que na realidade és vazio e estás assustado com a tua vacuidade.
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O suicídio, meu caro, foi uma ratificação. Mataste-me há muito tempo, e não no meu papel de mulher, mas enquanto ser humano que se encontrava no seu momento mais pleno, mais sincero.
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o meu sistema de alarme desgastou-se, até se desactivar. Ou, sei lá, esbateu-se, com os anos, a marca do homem com quem não se faz farinha, um olhar, um trejeito da boca. Ou, mais simplesmente, como que me ofuscara, perdera a elasticidade vigilante que no decurso da existência me permitira sair da miséria das origens, criar os filhos, impor-me em ambientes difíceis, conquistar um pouco de bem-estar, adaptar-me às circunstâncias boas e más. Não sabia ao certo como e em que medida teria mudado, mas parecia-me agora que acontecera sem dúvida.
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Seria isto a realização? Uma acumulação concreta nas dezenas de folhas escritas à mão e impressas, um rasto composto de rabiscos, fichas, páginas, jornais, disquetes, pens USB, discos rígidos, cloud
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Não lhe importava que a instituição do casamento estivesse em crise, que a família estivesse moribunda, que a fidelidade fosse um valor pequeno-burguês. Queria que o nosso casamento fosse uma excepção miraculosa.
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Parecera-me aprazivelmente aventureiro casar-me ainda novo, sem ter terminado os estudos, sem trabalho.
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Certa vez, com a desculpa de que o anelar engordara, fui cortar a aliança. A Vanda ficou a sentir-se mal, esperou que fizesse algo para voltar a pôr o anel. Nada fiz. Ela continuou a usar a aliança.
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Embora os espaços da casa permanecessem os mesmos, nem eu nem os meus filhos conseguíamos estar juntos com a desenvoltura de outrora. Tudo era agora artificial.
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Teria ensinado o Sandro a apertar os atacadores? Não me lembrava. E nesse momento, sem uma razão imediata, deixei de me maravilhar que me fossem estranhos, a sensação de estranheza estava implícita no nosso relacionamento originário. Enquanto vivera com eles, tinha sido um pai distraído que, para os reconhecer, não sentia necessidade de os conhecer.
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Aos poucos, pejado de sentimentos de culpa, controlei o incómodo, esforcei-me por lhe fazer vários elogios todos os dias, esperei com paciência que se cansasse de me demonstrar a sua inteligência, a radicalidade das suas opiniões políticas, a libertinagem na cama, a segurança de si.
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Não tardei a compreender que, se nos anos anteriores tinha sido ela a mostrar-se sempre de acordo comigo e esse entendimento a acalmava, agora só sossegava se o entendimento pressupusesse que seria eu a revelar-me sempre de acordo com ela.
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Desde essa crise de há tantos anos, aprendemos os dois que, para vivermos juntos, devemos dizer um ao outro muito menos do que aquilo que calamos.
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Queria o meu pai só para mim — desejava arrancá-lo à nossa mãe e a ti —, mas ele não era de nenhum de nós, estava ali e no entanto não estava, tinha renunciado a mim, a ti, à nossa mãe. E tinha feito bem, depressa percebi. Toca a andar. A mãe parecia-lhe a negação do prazer de viver, e nós também, eu e tu também. Não estava enganado, éramos isso mesmo, a negação, a negação. A verdadeira falha dele foi não conseguir rejeitar-nos até ao fim. A falha dele foi que, depois de agires ao ponto de ferir profundamente, ao ponto de matar ou desfigurar para sempre outros seres humanos, não deves dar ...more