More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Eu me dei conta, enquanto o menino sujo lambia os dedos lambuzados, do pouco que me importavam as pessoas, de como me pareciam naturais aquelas vidas desgraçadas.
— Por que matava as crianças? — Porque gostava. Esta última resposta provocava a reprovação coletiva dos passageiros, que em geral pareciam contentes quando Pablo trocava de criminoso e passava à mais compreensível Yiya Murano, que envenenou as melhores amigas porque lhe deviam dinheiro. Uma assassina por ambição. Fácil de entender. O Baixinho, ao contrário, incomodava a todos.
Odeio que os chamem de bichinhos de luz, “vaga-lume” é uma palavra bonita. Uma vez eu havia aprisionado alguns num vidro vazio de maionese e percebera como são feios, parecem baratas com asas. Contudo, tinham sido abençoados com a mais pura justiça: quietos e sem voar, eram bichos que pareciam praga, mas quando voavam e relampejavam eram o que há de mais próximo da magia, um presságio de beleza e bondade.
Aquele silêncio era impossível. A favela, qualquer favela, inclusive aquela, na qual se aventuravam apenas os assistentes sociais mais idealistas — ou mais ingênuos —, aquela favela abandonada pelo Estado e favorita de delinquentes que precisavam se esconder, até mesmo aquele lugar perigoso e evitado, tinha muitos e agradáveis sons. Sempre fora assim. As diferentes músicas confundidas: a lenta e sensual cumbia da periferia, aquela mistura estridente de reggae com ritmo caribenho; a sempre presente cumbia de Santa Fé, com suas letras românticas e às vezes violentas; as motos com os canos de
...more
Eu prefiro esquecê-las porque esquecer gente que só se conheceu em palavras é estranho, enquanto existiram foram mais intensas que o real e agora são mais distantes que os desconhecidos. Causam-me um pouco de medo, além do mais.
— As queimas são feitas pelos homens, menina. Sempre nos queimaram. Agora nós mesmas nos queimamos. Mas não vamos morrer; vamos mostrar nossas cicatrizes.