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caminham assim… E quando se pensa que são a “Sociedade Meio-Pulmão”! “Fiu-u”, ela sibila para mim… Uma pessoa e tanto! Mas tudo não passa de traquinice. Por que são tão alegres, você pode me explicar? Joachim esforçou-se por encontrar uma resposta. — Meu Deus — disse enfim —, eles estão tão livres… Quero dizer, é gente moça, e o tempo nada significa para eles. E quem sabe se não vão morrer? Para que então ficar com a cara triste? Às vezes me vem a ideia de que essa coisa da doença e da morte no fundo não é séria; é antes uma espécie de relaxamento. A seriedade existe somente na vida lá de
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Isso é apatia! — respondeu o italiano. — Por que não julgar? Julgue, sim! É para esse fim que a natureza lhe deu dois olhos e o discernimento.
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Sabemos perfeitamente que a intercalação de mudanças de hábitos, ou de hábitos novos, constitui o único meio para manter a nossa vida, para refrescar a nossa sensação de tempo, para obter um rejuvenescimento, um reforço, uma retardação da nossa experiência do tempo, e com isso, o renovamento da nossa sensação de vida em geral.
morte é venerável como berço da vida, como regaço da renovação. Mas, separada da vida, torna-se um fantasma, um bicho-papão, e coisa pior ainda. Pois a morte, como potência espiritual independente, é uma potência extremamente devassa; a perversa atração que ela exerce é muito forte, sem dúvida, mas simpatizar com ela, também sem dúvida alguma, equivale à mais horrorosa aberração do espírito humano.
Parece-me que o mundo e a vida foram feitos de sorte que deveríamos sempre andar de preto, com uma golilha engomada em lugar do colarinho, e manter uns com os outros relações graves, reservadas e formais, recordando-nos da morte. Eu gostaria que fosse assim. Acho que isso corresponde à moral.
Um conhecimento teórico que carecesse da relação prática com a ideia da salvação do homem seria de tal maneira desprovido de interesse que deveríamos negar-lhe todo valor como verdade e não poderíamos admiti-lo.
Os padres da Igreja qualificavam “meu” e “teu” de palavras funestas e chamavam a propriedade privada de usurpação e roubo. Condenavam a posse de bens por ser a terra, segundo o direito natural e divino, comum a todos os homens, produzindo seus frutos para o uso geral. Ensinavam que somente a cobiça, uma consequência do pecado original, defendia os direitos de posse e criara a propriedade particular. Eram bastante humanos, bastante hostis ao comércio para considerar a atividade econômica em geral um perigo para a salvação da alma, isto é, para a humanidade. Odiavam o dinheiro e os negócios, e a
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Era possível que alguém se atrevesse seriamente a qualificar de inumanas e bárbaras as flagelações a que se sujeitavam os membros de certas ordens ou seitas, e de um modo geral as pessoas de sentimentos mais profundos, a fim de fortalecerem dentro de si o princípio do espírito?
Em virtude da bondade e do amor o ser humano não deve conceder à morte poder algum sobre seus pensamentos.
O efeito purificante e santificador da literatura, a destruição das paixões pelo conhecimento e pela palavra, a literatura como caminho para a compreensão, a indulgência e o amor, o espírito literário como o fenômeno mais nobre do espírito humano em geral, o poder salvador da língua, o literato como homem perfeito, como santo:
Com efeito, nossa morte é assunto dos sobreviventes, mais que de nós próprios; saibamos citá-la ou não, conserva pleno valor para a alma aquela sentença de um sábio espirituoso, que reza: enquanto existimos, não existe a morte, e quando ela existe, nós já deixamos de existir; ou seja, aquela sentença sobre não haver, entre nós e a morte, qualquer relação real, e ela ser para nós uma coisa absolutamente sem interesse, que, quando muito, afeta o mundo e a natureza; e eis por que todas as criaturas contemplam a morte com grande calma, indiferença e ingenuidade egoística, sem assumir
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Aliás, é sempre assim. Eu conheço a morte, sou um dos seus velhos empregados. Creia-me, em geral a gente a receia demais. Posso afirmar-lhe que é quase insignificante. Pois aquela trabalheira que às vezes a precede não pode ser considerada parte dela; é o que há de mais vivo, e pode conduzir à vida e à saúde. Mas ninguém que voltasse da morte seria capaz de lhe contar coisas interessantes a seu respeito, uma vez que ela não se percebe. Saímos das trevas e nas trevas entramos. Entre elas há experiências, mas o começo e o fim, o nascimento e a morte não são coisas que notamos, não têm caráter
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dr. Krokowski costumava falar do amor num sentido ligeiramente ambíguo, de modo que ninguém sabia com certeza se se referia a um assunto piedoso ou a algo físico, passional. E nós não fazemos o mesmo, ou talvez o fizessem Hans Castorp e Clawdia Chauchat, quando trocavam esse beijo russo? Ora, que diria o leitor, se nos recusássemos redondamente a resolver esse problema? A nosso ver, seria um procedimento analítico, mas — para repetir a expressão de Hans Castorp — “muito mesquinho” e francamente hostil à vida, fazer em matéria de amor uma distinção “limpa” entre elementos piedosos e elementos
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Ah, como era poderosa a magia da alma! Nós todos éramos filhos dela e, obedecendo-lhe, podíamos realizar grandes coisas neste mundo.
O que chamamos “luto” talvez não seja a dor que nos inflige a impossibilidade de ver os nossos mortos voltarem à vida, senão a outra que experimentamos diante do fato de sermos incapazes de desejar tal coisa.
Numa palavra, a justiça era um termo oco da retórica burguesa, e para chegar à ação era preciso saber de que justiça se tratava — daquela que desejava conceder a cada um o que lhe pertencia, ou da outra, que queria dar parte igual a todos.
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