More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
Assim, em minha temporada em Paris, a execução pública de uma pena de morte denunciou, para mim, a precariedade da minha superstição no progresso. Quando vi a cabeça separar-se do corpo e ouvi o barulho das duas partes batendo dentro de uma caixa, entendi — não com a razão, mas com todo o ser — que nenhuma teoria da racionalidade do que existe e do progresso é capaz de justificar aquela ação e que, mesmo que todas as pessoas do mundo, por força de quaisquer teorias, desde a criação do mundo, achem que isso é necessário, eu sei que não é necessário, sei que é ruim e que, portanto, ao avaliar o
...more
Por mais que me digam: não somos capazes de entender o sentido da vida, não pense, viva — não consigo fazer isso, porque já fiz isso antes, por muito tempo. Agora, não consigo deixar de ver os dias e as noites, que correm e me levam para a morte. É só isso que vejo, porque só isso é a verdade. Todo o resto é mentira.
“A família…”, eu dizia a mim mesmo; mas a família são a esposa e os filhos; eles também são gente. Encontram-se nas mesmas condições que eu: devem viver na mentira ou ver a horrível verdade. Para que eles vivem? Para que eu os amo, os educo, os protejo, cuido deles? Para o mesmo desespero que sinto ou para a estupidez! Como amo minha família, não posso esconder deles a verdade — cada passo rumo ao conhecimento os leva na direção dessa verdade. E a verdade é a morte.
No domínio especulativo, eu dizia a mim mesmo: “Toda a humanidade vive e se desenvolve com base nos princípios espirituais, nos ideais que a guiam. Esses ideais se exprimem nas religiões, nas ciências, nas artes, nas formas de governo. Todos esses ideais se tornam cada vez mais elevados e a humanidade caminha rumo ao bem supremo. Eu sou parte da humanidade e, por isso, minha vocação consiste em promover a consciência e a realização dos ideais da humanidade”. E eu, no tempo de minha fraqueza mental, me contentava com isso; porém, tão logo a questão da vida se insurgiu com clareza dentro de mim,
...more
This highlight has been truncated due to consecutive passage length restrictions.
No entanto, assim como no domínio dos saberes experimentais o homem que sinceramente se pergunta como deve viver não pode se contentar com a resposta “estude as infinitas complexidades da mudança das partículas infinitas no tempo e no espaço infinito e então você entenderá sua vida”, assim também um homem sincero não pode se contentar com a resposta “estude a vida de toda a humanidade, da qual não podemos conhecer nem o início nem o fim e da qual não conhecemos nem uma pequena parte, e então você entenderá sua vida”. E é também exatamente assim que ocorre nas semiciências experimentais, e
...more
This highlight has been truncated due to consecutive passage length restrictions.
Preciso saber o sentido de minha vida, e o fato de minha vida ser uma partícula do infinito não só não lhe dá sentido como destrói qualquer possibilidade de sentido.
O saber racional, na pessoa dos sábios e cultos, nega o sentido da vida, enquanto a enorme massa de pessoas, a humanidade inteira, reconhece esse sentido num saber irracional. E esse saber irracional é a fé, a mesma que eu não podia aceitar. Esse Deus trino, essa criação em seis dias, os demônios e os anjos e tudo isso que não posso admitir, a menos que me transforme num louco.

