Uma Confissão
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Read between May 12 - May 15, 2024
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é muito comum que um homem viva bastante tempo imaginando que traz plenamente dentro de si a doutrina religiosa da fé que lhe foi transmitida na infância, quando já faz muito tempo que dela não resta nenhum vestígio.
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Parei de crer no que tinham me transmitido desde a infância, mas acreditava em algo. No que eu acreditava, não seria absolutamente capaz de dizer. Acreditava em Deus, ou melhor, não negava Deus, mas que Deus, eu não seria capaz de dizer; também não negava Cristo e seu ensinamento, mas em que consistia esse ensinamento, também não seria capaz de dizer.
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minha única fé verdadeira, naquele tempo, era a fé no autoaperfeiçoamento. Mas em que consistia o autoaperfeiçoamento e qual era seu objetivo, eu não seria capaz de dizer. Tentava me aperfeiçoar intelectualmente — estudava tudo que podia e tudo que a vida pusesse em meu caminho; tentava aperfeiçoar minha vontade —, estabelecia regras para mim mesmo, que eu me empenhava em cumprir; por meio de toda sorte de exercícios, aperfeiçoava minha condição física, para apurar a força e a agilidade, e por meio de toda sorte de privações me adestrava para a resistência e para a perseverança. E eu ...more
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E, sem perceber que não sabíamos nada, que mesmo diante da mais simples questão da vida — o que é bom, o que é ruim — não sabíamos o que responder. Todos nós, sem ouvir uns aos outros, não parávamos de falar,
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É tremendamente estranho, mas agora entendo. Nosso argumento autêntico e sincero era que desejávamos ganhar a maior quantidade possível de dinheiro e de elogios. A fim de alcançar esse objetivo, não éramos capazes de fazer outra coisa que não escrever livretos e jornais. E fizemos isso. Porém, para fazer algo tão inútil e ter a certeza de que éramos pessoas muito importantes, precisávamos de outro argumento, que justificasse nossa atividade. E então inventamos o seguinte: tudo que existe é racional. Tudo que existe sempre se desenvolve. E tudo se desenvolve por meio da educação. A educação é ...more
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Ainda não entendia que, atormentado, como qualquer pessoa viva, pela questão “Como faço para viver melhor?”, ao responder: “Viver de acordo com o progresso”, eu falava exatamente como um homem num barco, carregado pelas ondas e pelo vento, que, diante da única pergunta importante para ele, “Em que rumo devo seguir?”, em vez de responder, diz: “Estamos sendo arrastados não se sabe para onde”.
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as pessoas escondem de si mesmas a própria incompreensão da vida.
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Nas esferas mais elevadas da atividade literária, ficou claro para mim que era impossível ensinar sem saber o que ensinar, porque eu via que todos ensinavam coisas diferentes e, por meio das discussões que travavam, apenas escondiam de si mesmos sua ignorância;
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Assim eu vivia, mas há cinco anos começou a acontecer comigo algo muito estranho: comecei a ter momentos, no início, de perplexidade, de interrupções da vida, como se eu não soubesse como viver, o que fazer, e me perdia e caía no desânimo. Mas isso passava e eu continuava a viver como antes. Depois, esses momentos de perplexidade começaram a se repetir cada vez com mais frequência e sempre da mesma forma. Aquelas interrupções da vida sempre se exprimiam com as mesmas questões: Para quê? Muito bem, mas e depois? De início, me pareceu que eram questões despropositadas, impertinentes. Pareceu-me ...more
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se as mesmas questões sempre se repetem, é preciso lhes dar resposta. E tentei responder.
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Minha vida parou. Eu podia respirar, comer, beber, dormir, porque não podia ficar sem respirar, sem comer, sem beber, sem dormir; mas não existia vida, porque não existiam desejos cuja satisfação eu considerasse razoável. Se eu desejava algo, sabia de antemão que, satisfizesse ou não meu desejo, aquilo não daria em nada.
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Nem descobrir a verdade eu conseguia mais desejar, porque já adivinhava o que era. A verdade era que a vida não tem sentido algum.
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Parecia que eu tinha vivido e andado para lá e para cá, até chegar à beira de um abismo, e via com clareza que não havia nada na minha frente, a não ser a ruína. E é impossível parar, é impossível voltar, é impossível fechar os olhos e deixar de ver que não existe nada à frente, a não ser a ilusão da vida, da felicidade, os sofrimentos verdadeiros e a morte verdadeira — a aniquilação completa.
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Eu mesmo não sabia o que queria: tinha medo da vida, desejava me livrar dela e, no entanto, ainda esperava dela alguma coisa.
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Só conseguimos viver enquanto estamos embriagados pela vida; mas, quando ficamos sóbrios, é impossível não ver que tudo isso é apenas ilusão, e uma ilusão tola! Na verdade, não há nada aqui de engraçado nem de espirituoso, é apenas cruel e absurdo.
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Agora, não consigo deixar de ver os dias e as noites, que correm e me levam para a morte.
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Minha pergunta, aquela que, aos cinquenta anos de idade, me levou à beira do suicídio, era a mais simples que se abriga na alma de todos os homens, desde a criança tola até o velho sábio — uma pergunta sem a qual a vida é impossível, como eu estava comprovando, na prática. A pergunta consiste nisto: “O que vai ser daquilo que faço hoje, daquilo que vou fazer amanhã — o que vai ser de toda a minha vida?”. Dita de outra maneira, a pergunta seria a seguinte: “Para que devo viver, para que desejar algo, para que fazer algo?”. Ainda de outra maneira, é possível expressar a pergunta assim: “Existe, ...more
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“O que é a vida de toda a humanidade, que ele desconhece, e da qual ele conhece apenas uma parte minúscula, num minúsculo período de tempo?”.
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A fim de entender o que ele é, o homem precisa, antes, entender o que é toda essa misteriosa humanidade, formada por pessoas iguais a ele e que, também como ele, não entendem a si mesmas.
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Uma geração vai, uma geração vem e a terra sempre permanece.
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Ninguém se lembra dos antepassados e também aqueles que os sucederão não serão lembrados pelos que virão depois.
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Porque em muita sabedoria há muito sofrimento; e quem multiplica o conhecimento multiplica o desgosto.
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E detestei a vida, porque os trabalhos feitos debaixo do sol se tornaram repulsivos para mim, pois tudo é vaidade e agitação do espírito. E detestei todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, porque devo deixá-lo para o homem que virá depois de mim. Pois o que irá obter o homem de todo seu trabalho e das preocupações de seu coração, com que se afadigou debaixo do sol? Pois todos seus dias são penosos e seus trabalhos são aflitivos; nem de noite seu coração conhece repouso. E isso é vaidade. Não está em poder do homem outro bem senão comer, beber e desfrutar o fruto de seu ...more
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A primeira saída é a ignorância. Consiste em não saber, não entender que a vida é crueldade e absurdo. As pessoas desse grupo — em grande parte mulheres, ou pessoas muito jovens ou muito tolas — ainda não entenderam a questão da vida apresentada a Schopenhauer, Salomão e Buda. Elas não veem nem o dragão que as aguarda nem os ratos que roem o galho em que elas se penduram, e ficam lambendo as gotas de mel. Mas lambem essas gotas de mel só por um tempo: algo volta sua atenção para o dragão e para os ratos e, então, é o fim de suas lambidas. Com elas, não tenho nada que aprender, e é impossível ...more
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“Portanto, vá e coma seu pão com alegria e beba seu vinho na alegria do coração… Delicie-se com a vida, com a mulher que você ama, em todos os dias de sua vida vã, em todos os seus dias vãos, porque esse é seu quinhão na vida e em seus trabalhos, com os quais você se afadiga, debaixo do sol… Tudo o que sua mão pode fazer com esforço, faça, porque, no túmulo para onde você irá, não há nem trabalho nem pensamento nem conhecimento nem sabedoria.”
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o acidente que hoje faz de mim um Salomão amanhã pode fazer de mim um escravo de Salomão.
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A quarta saída é a da fraqueza. Consiste em, uma vez compreendidos o absurdo e a crueldade da vida, continuar arrastando a vida, sabendo de antemão que ela não pode dar em nada. As pessoas que adotam essa saída sabem que morrer é melhor que viver, mas, como não têm forças para agir de maneira racional — pôr fim à ilusão, quanto antes, e matar-se —, parecem ficar esperando algo. Essa é a saída da fraqueza, pois, se sei o que é melhor e isso está a meu alcance, por que não me render ao que é melhor? Eu me encontrava nesse grupo.
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Ninguém nos impede de negar a vida, como Schopenhauer. Pois então mate-se de uma vez, e não vai mais pensar. Se não gosta da vida, mate-se. E se vive sem conseguir entender o sentido da vida, então dê um basta na vida e não fique para lá e para cá, na vida, falando e escrevendo que não compreende a vida. Você encontrou uma alegre companhia, para eles está tudo bem, todos sabem o que fazem, mas se você sente tédio e nojo, então vá embora.
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Decorre daí que o saber racional não fornece o sentido da vida, ele a exclui; e o sentido atribuído à vida por milhões de pessoas, por toda a humanidade, se fundamenta em um saber falso e desprezado.
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Eu sabia que nada encontraria no caminho do saber racional, senão a negação da vida, e que nada encontraria na fé, senão a negação da razão, que era ainda mais impossível do que a negação da vida.
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(é preciso definir a fé e depois definir Deus, e não definir a fé por meio de Deus),
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a fé é o sentido da vida humana, graças ao qual o homem não se destrói, e vive. A fé é a força da vida. Se o homem vive, ele acredita em alguma coisa. Se não acreditasse que é preciso viver para alguma coisa, ele não viveria. Se ele não vê e não entende a ilusão do finito, acredita nesse finito; se ele entende a ilusão do finito, deve acreditar no infinito. Sem fé, é impossível viver.
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Se não fosse tão horrível, seria ridículo, o orgulho e a presunção com que nós, como crianças, desmontamos o relógio, retiramos a mola, fazemos dela um brinquedo e depois ficamos admirados, ao ver que o relógio parou de funcionar.
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Aqui está o que concluímos. Concluímos que o senhor é um tolo ou que não existe e que nós somos inteligentes, apenas sentimos que não servimos para nada e que, de algum modo, é preciso nos livrarmos de nós mesmos.
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A causa, disse a mim mesmo, não é da mesma categoria que o pensamento, como o espaço e o tempo. Se eu existo, existe uma causa para isso, e a causa das causas. E essa causa de tudo é o que se chama de Deus; e me detive nessa ideia e tentei, com todo o meu ser, tomar consciência dessa causa. E assim que tomei consciência de que existe uma força em cujo poder eu me encontro, logo senti a possibilidade da vida.
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É impossível não pensar nisso. É impossível não ver que o assassinato é um mal, contrário às bases mais elementares de qualquer fé. No entanto, rezavam nas igrejas pelo sucesso de nossas armas e os professores da fé admitiam essa atividade assassina, que decorre da fé.
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Que na doutrina existe verdade, disso eu não tinha dúvida; mas também não tinha dúvida de que nela existe mentira, e eu tenho de encontrar a verdade e a mentira, para então separar uma da outra.