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Tchéti-Míniei, antiga obra da tradição da Igreja Ortodoxa, que reúne relatos da vida de santos, num formato muito próximo daquele que Tolstói encontrou nos contos da tradição russa.
não daquelas que fazem do próprio objeto da fé um meio para alcançar quaisquer objetivos efêmeros. (Essas pessoas são os descrentes mais radicais, pois se, para elas, a fé é um meio para alcançar quaisquer objetivos mundanos, seguramente isso já não é fé.)
Para ter fama e dinheiro, razão pela qual escrevia, era preciso esconder o bem e mostrar o mal.
Eu — artista, poeta — escrevia, ensinava, sem eu mesmo saber o quê. Pagavam-me em dinheiro por isso, eu tinha excelente alimentação, acomodações, mulheres, vida social, tinha fama. Ou seja, o que eu ensinava era muito bom.
De início, aparecem sinais insignificantes de indisposição, em que a dor não chama a atenção; depois, esses sinais se repetem com cada vez mais frequência e se fundem num sofrimento único, indivisível no tempo. O sofrimento cresce e, antes que o doente possa perceber, fica claro que aquilo que ele tomava por uma indisposição é a coisa mais importante do mundo para ele: é a morte.
Minha vida parou. Eu podia respirar, comer, beber, dormir, porque não podia ficar sem respirar, sem comer, sem beber, sem dormir; mas não existia vida, porque não existiam desejos cuja satisfação eu considerasse razoável. Se eu desejava algo, sabia de antemão que, satisfizesse ou não meu desejo, aquilo não daria em nada.
A segunda saída é a saída epicurista. Consiste em, conhecendo o desespero da vida, aproveitar os bens que existem por enquanto, sem olhar para o dragão nem para os ratos, e lamber o mel da melhor forma possível, especialmente se no galho houver muito mel.
se quero viver e entender o sentido da vida, preciso buscar esse sentido não naqueles que o perderam e querem se matar, mas sim nos milhões de pessoas que viveram no passado e vivem hoje, que fazem a vida e carregam sobre si a sua e a nossa vida.
O saber racional, na pessoa dos sábios e cultos, nega o sentido da vida, enquanto a enorme massa de pessoas, a humanidade inteira, reconhece esse sentido num saber irracional. E esse saber irracional é a fé, a mesma que eu não podia aceitar. Esse Deus trino, essa criação em seis dias, os demônios e os anjos e tudo isso que não posso admitir, a menos que me transforme num louco.
Uma vez compreendido isso, compreendi também que era impossível buscar no saber racional a resposta para minha pergunta e que a resposta oferecida por esse saber é apenas uma indicação de que a resposta só pode ser obtida por meio de uma formulação diferente da pergunta, que introduza no raciocínio a questão da relação entre o finito e o infinito. Entendi também que, por mais irracionais e monstruosas que sejam as respostas fornecidas pela fé, elas têm a vantagem de introduzirem, em cada vez, a relação entre o finito e o infinito, sem a qual não pode haver resposta.
Quaisquer que sejam as respostas da fé, oferecidas a quem quer que seja, toda resposta da fé dá um sentido infinito à existência finita do homem — um sentido que não é destruído pelos sofrimentos, pelas privações e pela morte. Isso significa que, numa fé, é possível encontrar o sentido e a possibilidade da vida.
a fé é o sentido da vida humana, graças ao qual o homem não se destrói, e vive. A fé é a força da vida. Se o homem vive, ele acredita em alguma coisa. Se não acreditasse que é preciso viver para alguma coisa, ele não viveria. Se ele não vê e não entende a ilusão do finito, acredita nesse finito; se ele entende a ilusão do finito, deve acreditar no infinito. Sem fé, é impossível viver.
O que sou? Uma parte do infinito.
Portanto, não foi o fato de eu, Salomão e Schopenhauer não nos termos matado que me convenceu da existência da fé, mas o fato de milhões de pessoas terem vivido e viverem, e terem carregado a Salomão e a mim nas ondas de sua vida.
Em oposição ao que eu via em nosso círculo, onde toda a existência transcorre em festas, diversões e insatisfação com a vida, eu via que toda a vida daquelas pessoas se passava em meio ao trabalho pesado e que elas eram menos insatisfeitas com a vida do que os ricos.
A verdade foi sempre a verdade, como 2 x 2 = 4, mas eu não o admitia, porque, tendo admitido que 2 x 2 = 4, eu deveria também admitir que sou ruim. E, para mim, sentir-me bom era mais importante e obrigatório do que 2 x 2 = 4.
Vivi como um parasita e, ao me perguntar para que vivo, recebi a resposta: para nada. Se o sentido da vida humana está em ganhar a vida, então de que forma eu, que por trinta anos não cuidei de ganhar a vida, mas de degradar a vida em mim e nos outros, poderia obter outra resposta senão de que minha vida é absurdo e crueldade? E ela era mesmo absurdo e crueldade.
Se retirarem um mendigo nu e faminto de uma encruzilhada, o levarem para um local abrigado, uma bela instituição, lhe derem comida, água e o obrigarem a mover uma espécie de alavanca para cima e para baixo, é óbvio que, antes de decifrar para que o retiraram da encruzilhada e para que ele move a alavanca, e antes de indagar se toda a instituição foi organizada de maneira racional, o mendigo, em primeiro lugar, precisa mover a alavanca. Se ele mover a alavanca, compreenderá que essa alavanca põe em movimento uma bomba, que essa bomba puxa a água que vai para os canteiros; então o retirarão do
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“Portanto, para que continuo buscando Deus?”, exclamou uma voz dentro de mim. “Olhe, lá está ele. Ele é aquilo sem o que é impossível viver. Conhecer Deus e viver é a mesma coisa. Deus é vida.” “Viva descobrindo Deus e, então, não haverá vida sem Deus.” E, mais forte do que nunca, tudo se iluminou dentro de mim e à minha volta, e essa luz já não me abandonou. E me salvei do suicídio.
Eu fazia o seguinte raciocínio. Dizia a mim mesmo: assim como toda a humanidade e sua razão, o saber da fé emana de um princípio misterioso. Esse princípio é Deus, o princípio do corpo humano e de sua razão. Assim como meu corpo chegou de Deus até mim hereditariamente, também chegaram, até mim, minha razão e minha concepção da vida e, por isso, todos os graus de desenvolvimento dessa concepção de vida não podem ser falsos. Tudo aquilo em que as pessoas acreditam verdadeiramente deve ser verdade; ela pode ser expressa de formas diferentes, mas não pode ser mentira e, por isso, se ela me parece
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lá estavam as histórias dos mártires, de todos que proclamaram sempre a mesma coisa, que a morte não destrói a vida;
E eu, que supunha que a verdade estava na unidade do amor, não pude deixar de ficar chocado ao ver que a própria doutrina destrói aquilo que ela deveria promover.
Será que não é possível — dizia eu — alcançar um entendimento superior que permita que, do alto, as diferenças desapareçam, assim como elas desaparecem para o crente verdadeiro?
Eu estava buscando a fé, a força da vida, e eles buscam os melhores meios de cumprir, perante as pessoas, determinadas obrigações humanas. E, ao executar essas tarefas humanas, eles as executam também à maneira humana. Por mais que falem de seu pesar com as ilusões dos irmãos e digam que rezam para que eles sejam alçados ao trono supremo — para executar as tarefas humanas, a força é necessária, e a força sempre foi, é e será aplicada.
e eu tenho de encontrar a verdade e a mentira, para então separar uma da outra.
lembro tudo o que passou e recordo como tudo aconteceu: como sacudi as pernas, como fiquei em suspenso, como me apavorei e como me salvei do pavor, quando comecei a olhar para o alto. E pergunto para mim mesmo: “Muito bem, mas e agora, eu não continuo pendurado do mesmo jeito?”. E assim que olhei para o lado, senti, com todo o corpo, o ponto de apoio sobre o qual estou escorado. E vejo que já não estou mais pendurado, e que não estou caindo, mas sim firmemente apoiado. Eu me pergunto como estou apoiado, me apalpo, olho em volta e vejo que, embaixo de mim, embaixo do centro de meu corpo, há uma
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