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cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção.
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Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo,
Chegou a haver temporadas inteiras em que eu preferia viver naquele mundo proibido, e o retorno à claridade — ainda que necessário e conveniente — chegava a ser para mim quase um retorno a algo menos belo, mais vazio e aborrecido.
Por que me submeti? Por que havia obedecido a Kromer com mais diligência e submissão — com muito mais — do que quando obedecia a uma ordem de meu próprio pai? Por que inventara a história do roubo? Por que me vangloriara de um furto como se tratasse de um ato heroico? Agora o demônio me havia agarrado pela mão e o inimigo me perseguia.
nesse átimo, surgiu em meu ânimo um novo e estranho sentimento: algo maligno e cortante. Sentia-me superior a ele! Por um momento, senti certo desprezo por sua ignorância. A reprimenda por causa de meus sapatos molhados me pareceu mesquinha. “Se soubesse de tudo!...”, pensei, e me senti como um homicida que fosse julgado pelo furto de um pão.
Foi a primeira falha que percebi na perfeição de meu pai, a primeira rachadura nos fundamentos sobre os quais descansara a minha infância e que o homem tem que destruir para poder chegar a si mesmo. Desses acontecimentos, que ninguém percebe, é que se nutre a linha axial interna de nosso destino. A falha, a rachadura se fecham mais tarde; podem cicatrizar e cair no esquecimento; mas em nossa câmara secreta mais recôndita nunca cessam de sangrar.
Pela primeira vez saboreei a morte, e ela tinha um gosto amargo, pois é nascimento, é angústia e pavor ante uma renovação aterradora.
A manhã sem colégio era algo mágico e fabuloso: o sol entrava logo em meu quarto, mas não era o mesmo sol que obrigava o professor a fechar as cortinas verdes na sala de aula.
Essas histórias da remota antiguidade são sempre verdadeiras, mas nem sempre foram recolhidas e explicadas corretamente.
quando lhes perguntavam por que não o prendiam ou o justiçavam, em vez de responderem “Porque somos uns covardes!”, respondiam: “Impossível! Ele tem um sinal! Está marcado por Deus.” O embuste deve ter-se originado assim...
Quando temos medo de alguém é porque demos a esse alguém algum poder sobre nós. Por exemplo: fiz alguma coisa indevida e o outro sabe, e por isso tem poder sobre mim.
Pois Demian teria exigido de mim muito mais do que meus pais exigiram. Teria procurado fazer-me mais independente através do estímulo e da exortação, do escárnio e da ironia. Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!
Quando quiseres conseguir alguma coisa de uma pessoa e vires que ela se conserva inteiramente calma quando a olhas resolutamente nos olhos, então é melhor desistir. Nunca hás de conseguir nada de tal pessoa!
Paixão Segundo São Mateus, de Bach,
Actus Tragicus a quintessência de toda a poesia e de toda a expressão artística.
Durante toda a vida foi um criminoso, cometeu sabe-se lá quantas infâmias e agora se derrete e chora de arrependimento e contrição! Podes dizer-me que sentido existe nesse arrependimento a dois passos do sepulcro?
escolherias o outro, que é um indivíduo de caráter. Desdenha uma conversão que já não pode ter qualquer valor naquele momento, segue seu caminho até o fim e não nega covardemente, no último instante, o Diabo, que o vinha ajudando até então.
tudo o que sobra é atribuído ao Diabo; toda essa parte do mundo, toda essa outra metade é encoberta e silenciada. Glorifica-se a Deus como o Pai de toda a vida, ao mesmo tempo que se oculta e se silencia a vida sexual, fonte e substrato da própria vida, declarando-a pecado e obra do Demônio.
diante do qual não tivéssemos que cerrar os olhos para não ver as coisas mais naturais do mundo.
Agora, por exemplo, levas contigo, há já quase um ano, um instinto mais forte do que todos os demais e que se rotula como “proibido”. No entanto, os gregos e muitos outros povos fizeram desse mesmo instinto uma divindade à qual rendiam culto em grandes festas. O “proibido” não é, pois, eterno, e sim sujeito a mudanças.
também eu sentia algo mais, um certo encanto, uma singular doçura: era a rebelião e a orgia, vida e espírito.
Assim vivia porque não tinha outro remédio e porque se assim não fosse não saberia o que fazer de mim.